terça-feira, 25 de maio de 2021

Desigualdade vacinal


Tenho me sentido estranho e triste. A desigualdade vacinal tem me pegado de um jeito que nem sei bem onde. Tenho 34 anos e não tenho comorbidades. Costumo ser o mais jovem dos grupos que frequento, desde sempre acostumado a andar com os mais velhos. No meu convívio, sou rodeado por profissionais de saúde: médicas, psicólogas, fisioterapeutas. E também por profissionais da educação. Recentemente, tenho descoberto também que muitos dos que me cercam possuem comorbidades as quais, por razões óbvias associadas à privacidade e à discrição, quase sempre desconheço.

Gozo de muitos privilégios na vida, e penso que, de forma geral, tenho razoável consciência deles. Além de um emprego que me permite trabalhar em home office (ao menos por ora), dois deles são esses que já mencionei: ser jovem e sem comorbidades.

Sei também que a ordem de vacinação segue uma lógica: primeiro os mais vulneráveis, e também aqueles que cuidam. Não discordo dessa lógica: na verdade, acho bastante razoável que a ordem de vacinação siga esses princípios.

Tudo isto posto, retomo o início mesmo deste texto, e não tenho como negar que me sinto muito incomodado com esta desigualdade vacinal.

Sinto que estou em um mundo antigo. Vivo ainda em um mundo permeado pelo medo do contágio e da morte, enquanto vejo que ao meu lado as pessoas pouco a pouco recobram a esperança.

Já fui a encontros em que a maior parte das pessoas está vacinada, e vejo que elas fazem parte de um outro tempo histórico. Elas não têm medo do toque nem do ar que respiram. Eventualmente, elas se reúnem em lugares fechados e, quando surge vontade, se abraçam.

No mundo em que vivo, as pessoas ainda se encostam com muito medo, falam à distância, cumprimentam-se com os cotovelos, e têm muito medo de morrer.

Há algo de interessante e potente em ver que esse novo mundo já se desenha para muitas pessoas. Mas há também uma inveja dos que já não precisam lidar com os medos que lido, e que, de alguma forma, já conseguiram superar essa fase.

O sentimento da inveja é legítimo (como qualquer sentimento). Mas não gosto de ter de lidar com ele. Sinto que ele aprofunda minhas tristezas em um mundo já tão triste. Todos os dias acordo querendo tomar minha vacina, e sei que ainda vai demorar. Que, somadas às previsões iniciais já tardias, somar-se-ão ainda os atrasos e problemas logísticos derivados da incompetência e da má-fé. Espero a vacina como quem espera um favor de um país que parece não querer me fornecê-la. Espero a vacina, contra e apesar.

É bom ver a esperança, contudo. Mais gente vacinada é um terreno menos arriscado, sempre. Mas todos os dias as redes sociais me inundam de pessoas ostentando orgulhosas e sorridentes suas carteiras de vacinação. Fico feliz por elas, claro. E dou um aceno do lado de cá, desse mundo que ainda é cheio de medo e de raiva.

Que bom que elas cruzaram a fronteira: então é possível. Mas do lado de cá, nesse mundo em que estou, os dias se passam arrastados, lentos e, porque não, tristes. É preciso aprender a ficar submerso, já sabemos. Porém, mais do que isso, é preciso aprender a ficar submerso sozinho, vendo emergir com vida aqueles que amamos enquanto vivemos ainda o turbilhão, o risco, o medo, e fazendo não apenas o esforço de esperar, mas o de esperar pacientemente a nossa vez de emergir com vida para o novo mundo que virá.

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