quinta-feira, 25 de junho de 2009

Manifesto

Declaro que faço parte dessa juventude de olhos cegos, mãos atadas e pensamento paralítico. Declaro que, no direito inalienável do meu silêncio, compactuo com todas as atrocidades cometidas diariamente contra toda sorte de pessoas: da fome ao preconceito, do desemprego à depressão. Declaro ainda que, como representante da classe, penso apenas em mim, nas minhas coisas e nos meus objetivos particulares. Desde cedo, aprendi que a felicidade é algo que devo buscar por mim mesmo, algo que não pode ser construído coletivamente. Prefiro indiscutivelmente ser um indivíduo a ser um cidadão. Esnobo a puta e o mendigo, não os encaro. Percebo que sou frágil; tenho medo, muito medo. Da morte, da solidão e da polícia. Não vou às ruas. Não tenho causas nem preceitos. Não vejo motivo para protestos porque acho que as coisas estão indo sempre muito bem. Declaro que não sou conservador nem liberal, porque pouco sei da política. Como todos os outros, reclamo por entre os dentes, digo que o Brasil que não vai pra frente, que os políticos são todos uns safados. Declaro que acredito na verdade que me chega pela televisão, não preciso de outras fontes. Minhas músicas são meu combustível diário, coloco os fones nos ouvidos e afasto-me da realidade, crio uma barreira entre mim e o que acontece ao meu lado. Declaro que sou guiado pelo prazer a qualquer custo, a qualquer tempo. Sempre corro, não sei de quê, não sei pra onde. Prefiro não saber o que nos move à frente, ou ainda, o que não nos move. Declaro que faço parte da massa pálida e descafeinada que engrossa as filas de emprego sem se questionar e sem protestar. Somos uns cordeiros, todos. Tenho fé ainda de que a felicidade virá na caixa do Sucrilhos do dia seguinte. Declaro que meu projeto mais ambicioso é erguer minha casa de gramado verde e cercas brancas e construir uma família onde vivamos todos tal e qual o comercial de margarina. Eu, filho do carbono e do amoníaco, espero sempre. Pelo beijo ou pelo escarro. De minha face, contudo, nenhum músculo se moverá. Declaro, em nome de todos que represento, que optamos por ser assim, que é nossa escolha estar sempre indiferente ao que quer que seja, que temos até um certo orgulho em não sermos mais do que pedaços inertes de plástico.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Twitter poem #001

desenho um asterisco com os pés
tento crer
ainda
que a força do lápis
ou a câimbra
me presenteará com uma árvore
um barco à vela

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Verso do caderno, em 30/03/2009


Que saudade daqueles tempos nos quais eu escrevia qualquer coisa no verso da última folha do caderno e aquelas horas passavam lépidas, ligeiras, a aula sempre muito inútil do lado de lá, ali, no conhecimento projetado à frente com tanta intenção acreditando ainda que os alunos dos cursos superiores são diferentes daqueles do colégio e vão estar muito preocupados em aprender aquilo que se dá, mas na verdade, no fundo mesmo, ninguém está nem aí, talvez porque as aulas sejam mesmo desinteressantes ou porque as pessoas estão preocupadas demais com o futebol de amanhã e a menina de saia curta que passou. Mas a verdade é que os tempos idos são os mesmos de agora, salvo algumas pequenas mudanças de contexto, mas estão aí o trabalho, as mesmas pessoas gelatinosas que povoam o espaço, os mesmos traços, as mesmas letras; ainda essas pessoas presas nessas vidas de pão e circo e que vão casar e ter filhos e ser felizes para sempre, e tanto faz que se mudem os rostos e os nomes, não importa, é esse mesmo espírito vazio e essa falta de cultura que faz com que não se possam distinguir os medos de agir, de pensar e de ser, uniformíssimos. Mas hoje, apesar de tudo, já há muita coisa sólida para além de toda falta de coragem e para além de todo conformismo: há estrelas no céu. Há liberdade e há verdade. Não há medo, ou quase. Não há o eterno, não há o pra sempre. Não há o incurável, não há o crônico, há só o presente, e que presente. Há tanta coisa dentro para além do que se vê e para além do que se pensa, mas agora já não há essa necessidade torpe e crônica do travar-se, não há fronteiras para o corpo, não há o pensamento paralítico. Porque a coisa crônica não passa de um monte de letras no papel; e é quase conto e, sendo conto, já é quase poesia; e sendo poesia já é quase bela, sem que haja meio de fugir da beleza porque ela está em todo lugar; para onde quer que se olhe lá está a beleza, para além do aparente e para além do turvo, para além do próprio belo. Essa necessidade de transcender, de querer acreditar que há algo que transcende e que transcende de verdade já é tão passado, já é tão anteontem, já é tão cheia de ilusão e de mentira que já não faz mais sentido; a libertação, a liberdade, nada disso é uma questão transcendental, é uma questão de aqui e agora, pura e simplesmente, de se livrar dos medos e de tudo que não presta porque, olha, ser feliz é simples, ou ainda que não seja, vá lá, mas é tanta beleza, tanta beleza desperdiçada nos raios de sol, na cidade que brilha aqui, na cidade que brilha do lado de lá, na cidade poluída, pequena, industrial, megalopolizada, cinza,turva, limpa, desacreditada, segura, violenta, luxuosa, popular, hospitaleira, nessa cidade na qual nada transcende, na qual as coisas são harmônicas por si mesmas ou não, na outra cidade também, em qualquer cidade, em todas as cidades onde há prédios e essa necessidade vital que é mais que existir, que é ainda mais que contemplar e mais que estar, tudo tão real, tudo tão ao vivo e pleno de sentido em si mesmo e tudo belo, belo, insuportavelmente belo. E essa beleza já não fica encalacrada numa redoma de sinapses desconexas, já se expande para além do limite do pensamento, já se deixa entrever nuns olhos que brilham e num sorriso desmedido, real, sincero, que não transcende e que não se propõe a transcender nada, não se propõe a ser qualquer outra coisa que não um sorriso real e sincero, ocupando um lugar no espaço, um lugar cartesiano, ou ainda que não, mas um lugar real, puro, sólido, concreto. As coisas no mundo emanam uma vontade natural de essência, ou é preciso que emanem, ou não, mas é o que se vê; no fundo, são as coisas sendo, existindo, ocupando o espaço, um átomo, um lápis, uma cidade, uma necessidade inexpugnável de ser e de seguir sendo. O mundo, ou ainda que eu, através dos olhos do mundo, sorri, sorri porque acha graça de si mesmo quando tropeça ou quando chove, ou ainda quando morre a flor e quando nasce o rato até que o rato morra e que outra flor nasça, sem que nada transcenda, mas que tudo seja riso, ainda, de uma forma ou de outra, de preferência largo, mas às vezes discreto, entre os dentes, mas sempre sincero e sempre riso, porque as coisas são e vão continuar sendo, desta forma ou de outra, flores e ratos nascendo e morrendo o tempo inteiro, as cidades crescendo e existindo, as pessoas remoendo suas vidas, chorando suas mágoas, comprando carros, casando, tendo filhos, fingindo que lêem, achando que podem e achando que sabem, derrubando muros, pulando cercas, tramando teias e um riso honesto por cima de tudo isso não pela mudança, pela revolução ou pela transcendência, mas pelo simples e pelo cotidiano, pela beleza e pelo nada, pela aula que segue fluida enquanto escrevo.

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