terça-feira, 29 de dezembro de 2009

O meu 1968



Tenho procurado como um doido por aí o meu 1968. O ano da revolução dos costumes, da mudança brusca, do mundano e do etéreo, do amor e da revolta; da liberdade: ampla, total e irrestrita. Não achei. Em vão, acreditei que 2007 fosse o ano de tudo isso. Foi um pouco. 2007 foi um tanto quanto revolucionário pra mim. Não posso simplesmente jogar a beleza de 2007 no lixo; foi um ano que teve lá a sua importância, não tenho como negar. Mas 2007 foi uma coisa meio Revolução Francesa, tanta coisa eclodindo, tanta coisa explodindo, tanta degola e tanta guilhotina. Tal e qual a Revolução Francesa, seus efeitos foram sentidos muito depois, bem como o entendimento claro dos fatos. Tinha muita coisa certa e muita coisa errada, muito despreparo, muito exagero. Não posso negar que 2007 sedimenta as bases de tudo que viria depois. Foi um bota-abaixo de Pereira Passos. Foi preciso derrubar o casario para abrir avenidas largas, para crescer. Melhor opção? Não sei. Há cidades que nunca crescem: seus habitantes são pacatos e medíocres, mas insuportavelmente felizes. Daí veio o ano de 2008, que foi um ano perdido. Uma espécie de anos 80 da minha vida, uma melancolia estúpida, um saudosimo injustificável, um medo grande: do mundo, das pessoas. Não se pode dizer muito de 2008. Talvez o ideal fosse esperar mais um pouco pra julgar, mas não é o caso. Esse foi um ano definitivamente vazio, pacato. Mais do que isso, medíocre. E burro. Mas tudo bem, a vida tem seus altos e baixos. Enquanto 2007 me abriu todos os caminhos, 2008 me fez testar os caminhos errados. Mas as coisas têm o seu bem. Aprendi em 2008. Aprendi muito. Provavelmente, mais do que em toda a minha vida. Tenho consciência de que ainda tateio um pouco na caverna escura da vida, mas 2008 me fez distinguir a luz da sombra. E eu posso não saber exatamente aonde ir, mas sei exatamente para onde eu NÃO vou, para onde eu NÃO quero ir, o que eu NÃO quero ser. Não posso negar a importância meio torta do ano de 2008 também, ao seu modo. Mas aí veio o ano de 2009, e eu disse: faça-se a luz. E fez-se. 2008 foi devidamente enterrado e eu me abri para o novo. E veio. Novas pessoas, novos amigos, novos relacionamentos, novos trabalhos, novos estudos, novos lugares. Acho que não seria exagero dizer que 2009 foi o melhor ano da minha vida! Tomei as rédeas de mim mesmo, me governei. Existe um mundo aí fora que não tem controle, eu sei. Mas eu faço o melhor por mim. Já sei do que gosto e do que não gosto, o que quero e o que não quero. Aprendi a economizar e a partilhar. Aprendi até a comemorar, hábito que tenho tão pouco. Vi os céus diferentes mundo afora, me encantei. Não quero e não vou perder esse meu encantamento com as coisas e com as pessoas. Às vezes, sei que é difícil, tem muita desilusão por aí. Mas eu não quero conto de fadas, eu quero o concreto, o pé-no-chão, o feijão-com-arroz bem temperado. E eu também quero o etéreo, o brilho que me ofusca, o deslumbre. Muita gente talvez não entenda porque não pára pra pensar na própria vida e eu só posso lamentar, mas é que SER não é nada fácil. Eu agora vivo nessa corda bamba, nesse tênue equilíbrio entre o feijão e o sonho, na plenitude ímpar que acontece entre o que foi e o que será, o presente da vida. 2009 está indo embora, eu sei; mas é que me custa muito me despedir. Ademais, 2010 há de ser também um bom ano. E quanto ao meu 68, desisti de buscá-lo. Talvez tenha sido mesmo 2007, pelas características mágicas da novidade e pela ausência de sensatez. Mas agora eu descobri que 68 não é o melhor ano. O tempo passa, e eu venho descobrindo que eu prefiro a evolução à revolução.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Pierrot



Ontem um amigo meu veio me visitar no trabalho. Amigo? Bem, não sei. Não é um colega, mas também não é um amigo. Eu gosto dele, ele gosta de mim. Não nos vemos com freqüência; aliás, não nos vemos quase nunca. Não temos muitos assuntos em comum. Os laços que nos ligavam se perderam, mas nós ficamos ali, nos recusamos a nos abandonar. No entanto, permanecemos sem construir nada, sem qualquer intenção de edificar alguma coisa para além do que existe. Talvez pareça estranho que duas pessoas que se gostam se mantenham propositalmente distantes. Mas o fato é que sabemos que cada um tem os seus próprios compromissos, as suas pessoas, as suas vidas. E são mundos diferentes. Sabemos que as tentativas de fundir os mundos serão provavelmente infrutíferas. Mas não nos culpamos por isso, não somos hipócritas. A gente ACEITA as coisas como são. A gente se gosta e isso basta. Aliás, não; não basta. Mais do que gostar, a gente se respeita, o que é fundamental pra qualquer relação, por mais peculiar que seja. Mas esse gostar que eu sinto não é um “gostar” qualquer. Eu não gosto como eu gosto dos meus amigos, não gosto como eu gosto das pessoas com as quais eu me envolvo afetivamente. Uma das grandes diferenças é que eu não sinto falta da presença física. É ótimo quando nos encontramos, mas não é fundamental, não é necessário. O que eu sinto por ele é um carinho muito grande, uma estima enorme, que não depende do estar fisicamente presente. Em contrapartida, gosto de acompanhar a vida dele, ligar de vez em quando e constatar que as coisas estão indo bem. Ele me concedeu um perdão quando eu mais precisei. A gente compartilhou segredos numa madrugada na praia uma vez. Não existe muito mais do que isso, a gente fica feliz quando se vê. Ele é alguém que eu prezo, que eu quero bem. Na verdade, existe um monte de gente que eu gosto, que eu admiro, que eu prezo, mesmo de longe, mesmo que a vida, cheia de escolhas e bifurcações, não nos permita compartilhar o caminho por muito tempo. Não preciso ser amigo para gostar das pessoas, para torcer por elas. As relações humanas são complexas.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Corpo


o alheio

frenesi







o próprio

desassossego

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Clara

Clara era uma mosca. Poderia ter escolhido ser um elefante, um raio, uma caneta, um pedaço de borracha velha, mas era uma mosca. Quis ser uma mosca. E era; era uma mosca. Clara era uma mosca.

Uma noite clara estava voando e ao deparar-se com o pólen duma flor estranha debaixo de uma lua clara, decidiu Clara pousar.

Pousou e lá ficou clara, a mosca na flor sob a lua. Pôde ver com seus olhos de fractais uma realidade toda espelho, na qual aparecia, repetidas vezes, um menino que a olhava do parapeito da janela.

A janela de grade prata era brilho na lua da noite e clara, naquela hora, era fulgor. Clara no que podia ver, por detrás, no através e pela fresta, era frêmito; era flor e era frêmito; era flor clara.

Desistiu da flor e voou para a janela, a lua de prata gradeada. O menino, moreno, de olhos bem negros, viu a mosca que vinha. Não sabia que a mosca era Clara. Não sabia que a mosca tinha abdicado da flor no jardim para vir pousar à sua janela.

Não sabia e nunca soube que Clara era uma mosca porque quis, um dia, ser mosca. Poderia ser moça, mas mosca Clara. Só para que ao olhar o negrume dos olhos espelhados do menino, pudesse ver-se enquanto via; só para que não se pudessem distinguir os olhos dos outros olhos; só para que aparecessem como incontáveis terços de queijo a Lua clara, ali, no improvável caminho dos olhos multifacetados.