Esse é um post que eu já estou para escrever faz tempo. Certamente, há pelo menos um ano, mas acho que até há mais tempo do que isso. Na correria dos dias, sempre adio, mas acho que mais do que nunca é a hora, até porque a situação só se agrava com o tempo.
A questão é a seguinte: O Jornal O Globo se tornou um jornal de bairro. Todas as notícias, todos os lançamentos de produtos, todas as coisas da moda, enfim, todo o jornal o Globo, se propõe a retratar um universo espacial limitadíssimo, que é restrito à Zona Sul, em especial aos bairros de Ipanema e Leblon.
Darei exemplos. A revista Rio Show, que sai todas às sextas-feiras no jornal, é um caderno de entretenimento sobre o que está acontecendo na cidade: cultura, gastronomia, música, etc. A reportagem de capa do dia 23 de dezembro (que traz o irônico título de “S.O.S”) se propõe a apresentar “um roteiro de restaurantes, docerias e delicatessens para socorrer quem deixou a ceia de Natal para a última hora”. Listando todos os restaurantes citados na reportagem, com seus respectivos bairros, temos:
Adega do Cesare – Copacabana
Andréa Tinoco – Entregas por encomenda
Barsa – Benfica
Chico & Alaíde – Leblon
Couve-Flor – Jardim Botânico
Da Silva – Botafogo
Farinha Pura – Humaitá
Gula Gula – Ipanema
Minimok – Leblon
The Bakers – Copacabana
Cafeína – Leblon
Casa do Alemão – Leblon
De Rose Bolos e Tortas – Entregas por encomenda
Deli 43 / Pavelka - Leblon
Kaebisch Schokoladen – Gávea
Kurt – Leblon
La Fourni – Jardim Botânico
Mil Frutas – São Conrado
Petite Sucrerie – Barra da Tijuca
Schatzi – Leblon
Sorvete Itália – Ipanema
Bistrô du Leme – Leme
Caesar Park – Ipanema
D’Amici – Leme
Eñe – São Conrado
Forneria São Sebastião – Ipanema
Gero – Ipanema
Porcão – Ipanema
Terzetto – Ipanema
Windsor Barra – Barra da Tijuca
A reportagem cita 30 restaurantes, veja bem, 30! Desses 30 restaurantes, temos 1 restaurante na Zona Norte, em Benfica (que parece ter sido colocado aí como “cota” por algum editor com medo das críticas, mas elas virão de qualquer jeito!) e 2 restaurantes na Zona Oeste (considerando a Barra como Zona Oeste, coisa que as pessoas desse bairro detestam: preferem achar que estão na Zona Sul ou que são uma zona à parte da cidade). E temos também 2 restaurantes que entregam por encomendas. Se fizermos as contas, veremos que 25 dos 30 restaurantes citados estão na Zona Sul da cidade, ou seja, 83%. Ruim? Pode piorar! Se considerarmos ainda uma distribuição dos classificados imobiliários do próprio Jornal O Globo, que considera a Zona Sul 1, como os bairros do Centro até Botafogo (incluindo a Urca) e a Zona Sul 2 como os bairros de Copacabana até São Conrado (incluindo o Leme), temos que desses 25 restaurantes na Zona Sul, apenas 1 está na chamada “Zona Sul 1”, o Da Silva, em Botafogo. Então, 24 restaurantes estão na “Zona Sul mais Zona Sul” da cidade. Pior do que isso, é ver ainda que 14, sim, 14 dos 30 restaurantes citados estão nos bairros de Ipanema e Leblon. Ou seja, metade dos restaurantes com endereço da reportagem estão concentrados em dois bairros! Metade! Será mesmo que essa reportagem está ajudando os seus leitores do Méier e da Tijuca, por exemplo, a encomendar a sua ceia de Natal?
Na mesma revista, na página seguinte, coluna Novos Sabores, de gastronomia:
Bottega del Vino – Leblon
Viva o México – Leblon
Yumê – Jardim Botânico
Papa Gui – Ipanema
Málaga – Centro [ufa!]
Prima Bruschetteria – Leblon
Brigitte – Leblon
Na mesma revista, duas páginas depois, a reportagem “Verão à prova d’água” cita alguns restaurantes:
Astor – Ipanema
Cavist – Ipanema
Gero – barra da Tijuca
Via Sete – Ipanema
Zozô – Urca
Duas semanas depois, temos a RioShow do dia 06 de janeiro, que apresenta uma reportagem intitulada “Frente única”, cuja chamada é: “O feito é inédito: nunca tantos restaurantes bacanas abriram ao mesmo tempo na cidade. O verão promete ser quente, pelo menos na gastronomia.” Vamos aos “restaurantes bacanas” que abriram “na cidade”:
Balada Mix – Ipanema
Bottega del Vino – Leblon
Brigite’s – Leblon
Bretagne Boulangerie et Bistrot – Leblon
Papa Gui – Ipanema
Vieira Souto – Ipanema
Viram como piora? Agora é só Ipanema e Leblon mesmo! Não existe mais a preocupação de colocar cotas, de citar outros lugares da cidade, NADA! A cidade é Ipanema-Leblon. É só nessa cidade que existem restaurantes bacanas!
Citei só exemplos de gastronomia, e poderia citar outros, mas o texto ficaria longo demais. A Revista O Globo, que sai aos domingos, também está cheio desses exemplos, em especial na seção “Achados Imperdíveis”. E também não só os suplementos, não! O próprio jornal, nas notícias da cidade (geralmente aos domingos), traz notícias superinteressantes para a população carioca como “Invasão de morcegos preocupa os moradores do Alto Leblon”, “Instalação de ponto de bicicleta em rua do Leblon gera polêmica entre os moradores”, “Fechamento de uma rua no Leblon causa transtornos aos moradores, ad infinitum.
O Jornal O Globo possui um suplemento semanal chamado “Jornal de Bairro”, mas essa é uma das maiores hipocrisias que existem. O Jornal O Globo já é um jornal de bairro, e espero que as pessoas percebam isso. Acho uma pena que para o Jornal O Globo, as pessoas que moram no Centro, Méier, Tijuca, Jacarepaguá, Glória, Penha, Grajaú, Santa Teresa, Santa Cruz, Ilha do Governador, Madureira, etc, simplesmente não existam. Essas pessoas não apenas não existem como esses bairros também não possuam um restaurante sequer, “restaurantes bacanas” então, nem pensar!
“Ah, Igor, você fala isso, você sempre reclama do Jornal O Globo, mas você assina e sempre lê.” É, vocês têm razão. Mas em minha defesa alego que desde o Jornal do Brasil acabou, ficamos órfãos de informação aqui no Rio de Janeiro. Ou, para usar uma metáfora melhor, ficamos reféns do Jornal O Globo. Leio esse jornal porque não tem outro.
Mas sustento a esperança paulatina de que algum amigo jornalista irá criar um jornal justo, democrático e de amplo espectro geográfico que possa bater de frente com esse monstro cada vez maior que tem se tornado o Jornal O Globo, o PMDB da informação no Rio de Janeiro.
4 comentários:
Perfeito, nada a acrescentar!
É muito verdade, Igor!
É constrangedor ver que o maior jornal da cidade, ao invés de ressaltar os pontos positivos existentes nos mais diversos cantos dela, insiste em se focar numa área em que todos já sabem como é boa, legal e blá blá blá...
O Globo deveria repensar nessa sua forma de atuação. Não é preciso ser que nem o "Meia Hora", por exemplo, pra atrair o público de Zona Norte, Baixada... Existem muitos leitores nessas áreas interessados em uma bom conteúdo, mas que tem que se limitar a saber o que acontece na Zona Sul ou simplesmente pular as páginas de informações inúteis.
Concordo contigo e acho que vc deve mandar esse texto pra Ouvidoria do Globo.
Bjs =*
Anchieta tev apoia nesse protesto! ;)
Bjs
Sempre me opus a essa visão de que o Rio de Janeiro acaba na Presidente Vargas (e olhe lá...). Infelizmente o nosso maior veículo de comunicação é vendido! Ou vocês acham que esses estabelecimentos não compram essas reportagens que inocentemente indicam seus serviços. Qualquer jornaleco de bairro faz isso, inclusive O Globo, que não passa de um jornaleco de bairro, pois também é uma mídia que difunde opinião distorcida da realidade e destoante da maioria da cidade.
Cabe a nós buscar outros meios de comunicação ou ainda criar outros e valorizar eventos e estabelecimentos fora do eixo que tem dinheiro para comprar páginas de jornal e se submete à livre concorrência.
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