A vida é assim. A gente vai durante muito tempo caminhando por um imenso platô, liso, de terra batida, onde a grama é bem verde as flores são amarelas. O caminho é belo e sem percalços, e a gente vai descalço. Pode chover e pode relampejar que a gente continua indo descalço sem medo de cair e sem medo de adoecer. Porque a gente é jovem, e porque todas as tragédias que o mundo pode lhe oferecer serão inequivocamente atribuídas ao vizinho, afinal de contas, o inferno são os outros. O platô é lindo. Mas os altos platôs são altíssimos e, se formos sempre em linha reta, pode ser que haja um precipício lá embaixo.
As moléstias da vida, que podem ser físicas ou psicológicas [e há quem creia nas espirituais também], estão aí. A terra do platô pode estar contaminada por lítio, ou por radioatividade; as flores amarelas podem ter pragas ou abelhas venenosas; a grama verde pode ter fungos ou abrigar protozoários perigosos que a ciência ainda não conseguiu catalogar.
O problema da moléstia, independente de qual seja, é a culpa. Os que andam descalços por sobre os platôs molhados da chuva de ontem e que sabem que a terra molhada pode lhes adoecer, sim, estes têm culpa. No entanto, não têm culpa os que andam calçados sobre a terra. Não têm culpa aqueles cujas cabeças são atingidas por um raio numa madrugada violenta.
Há males de toda sorte. E para a maioria deles, não há culpa. Ou seja, aparte as doenças sexualmente transmissíveis, as gripes contraídas nos dias frios em que não se agasalha, algumas doenças do fumo e do álcool e outras pequenas exceções, não há culpa. E nessa ausência de culpa incluem-se aí os cânceres, as doenças silenciosas do coração, as síndromes de nomes estranhos que acometem 1 em 10 milhões, essas coisas; ninguém tem culpa. Ninguém tem culpa se o fígado se dilatou de uma forma estranha, ninguém tem culpa de uma nefrite, de uma tuberculose, de um cisto no ovário, de um tumor no joelho. Ninguém tem culpa.
As religiões tentam atribuir aos males de toda sorte que acometem os seres humanos alguma propriedade espiritual, divina. Chamam a isso de martírio. É mártir aquele que suporta a dor, que aguenta as chagas. Ser mártir de qualquer coisa é um prêmio de consolação pela desgraça. Não adianta ser mártir, o que importa é estar vivo.
Mas quando olhamos o precipício lá embaixo, de cima dos mais altos platôs, sentimos vertigem. Mas não importa, temos que cruzar a corda bamba [às vezes, de salto alto], temos que chegar lá do outro lado para continuar nossa caminhada pelos mesmos prados de gramados verdes e flores amarelas, multicoloridas talvez. Temos que continuar a nossa caminhada pelos mesmos prados, ainda que descontínuos, ainda que entrecortados por cordas bambas.
Porque é isso. Caminhamos sempre, sempre pra frente. Alternamos entre platôs e cordas bambas. Que o acaso, a sorte e a firmeza nos pés estejam sempre conosco ao caminhar. Ninguém quer cair da corda bamba, e nem podemos.
É natural que não percebamos o quão importantes são as cordas bambas. Mas fortalecem as pernas, nos equilibram mais para o próximo platô, nos deixam seguros. As cordas bambas não são do bem e nem são do mal. Elas estão aí, sempre.
Que existam, porque há que existirem, mas que sejam em pequenas quantidades, e curtas. No entanto, se forem longas, que nunca ofusquem a vista ou turvem as idéias de modo a nos fazer ignorar que, sim, que, mesmo que longe, existe um outro platô do lado de lá.
Obs: Sei que meu texto está bem ‘bad trip’. Mas informo a quem interessar possa que não tenho AIDS, não tenho sífilis, não tenho nenhuma doença sexualmente transmissível. Informo também que não tenho câncer e nem estou morrendo. Informo que estou bem, estou vivo e estou disponível. [tem que fazer esclarecimentos porque as pessoas são malucas, e o que eu já sofri de mal-entendidos nesse blog não está no gibi... rsrsrsrs] Mas é que esses dias têm sido meio chatos e cansativos, tediosos até [e ok, minha saúde não tem estado 100% também]. Agora, sem mais delongas, esse post é pra explicar que tenho passado por um momento mais corda bamba do que platô, esse fim de ano está com uns lances que não tenho curtido muito... Mas o fim de ano está chegando, e dentro em breve, teremos um post retrospectivo por aqui. =PP Beijos!
2 comentários:
Adorei! As imagens mentais que consegues criar são sempre muito inspiradas, críveis. Seu texto tem ritmo e nos prende. Mas acho que já estou suspeito para comentar tua qualidade literária, pois quando vejo que há atualizações no teu blog, não perco tempo para saber o que aprontastes.
Espero que tudo esteja sob controle, e que o barco não esteja no piloto automático.
Abraços, do teu amigo,
Rodrigo.
Hum, sei como é, xuxu.
Eu na verdade batalho pra culpa não me trazer uma doença doida dessas. Até porque se culpa a gente vive ais leve.
(Informo que não matei ninguém, nem roubei, estuprei, mutilei etc. Apenas vivi como qualquer outra pessoa vive, e me imbui de mais responsabilidades que talvez deveria me imbuir.)
=D
Postar um comentário