quarta-feira, 8 de julho de 2009

Breve ensaio sobre a luz e o movimento


Eu tinha prometido a mim mesmo, ao começar este blog, que não postaria textos de caráter muito pessoal aqui, etc... Peço permissão a mim mesmo, desdigo o que outrora disse, me preparo e vou. É mais ou menos por aí, mais uma vez: desdigo o que outrora disse, me preparo e vou. Ou ainda, redigo o que outrora disse, me preparo e vou. Como seria bom, no meio de tudo isso, poder optar por não ir. Agora que está tudo tão bem, agora que as coisas fluem de um jeito quase mágico e é tudo tão gostoso, agora que amanhece o dia e a gente vê quão bonito é. É, é mágico, é bom, é gostoso. Gostaria de, com todas as minhas forças, evitar que voltasse a ser noite, de novo, fazer com que a Terra parasse de girar, contemplar cada coisa em seu lugar na maravilha que é a inércia, a falta de movimento, a luz acertando em cheio as coisas sem que as coisas se movam, numa espécie de beleza eterna e etérea. Mas as coisas movem, a Terra gira, os dias vão e vêm, as horas passam, o movimento está aí, tudo se move, a luz mal tem tempo de tocar os objetos e lhes imprimir uma sombra ou um ângulo inquestionavelmente belo sem que venha o movimento seguinte, brusco, abrupto, e destrua todo efeito fosco ou fluorescente paulatinamente trabalhado para que, então, venha a sombra mole e a luz disforme, de forma que todo sol e toda luz penetrem nos corpos de uma maneira um tanto quanto insípida e desleixada. Tudo isso porém não aconteceria se pudéssemos parar o movimento, se pudéssemos não depender do sol a nos iluminar, ainda que seja mais natural, talvez, ainda que o sol rode junto com os corpos e o efeito seja sempre novo, mas sempre vinculados a uma fugacidade impressionante, a uma necessidade de desfrutar de cada nesga, de cada instante de luz porque adiante, aí está, uma variação do ângulo do sol, um movimento sutil do corpo precedendo o movimento brusco, outros timbres, outras nuances, uma espécie de transmutação eterna, de mudança indubitável. Estar sempre à mercê do sol e da luz do sol, e movendo-se de um lado para o outro, tentando capturar a beleza já tão passado, que não se permite voltar ainda que se volte o corpo à mesma posição, porque o sol já caminha em outros passos, já projeta outros horizontes, já não permite uma mesma imagem. Aquela imagem estonteamente bela já não existe, não volta é quase uma ilusão de óptica. O sol rodou, girou, projeta ao meio-dia agora. As coisas são agora, tal como são. Virá a tarde, que precede a noite. A noite é dia pra quem está do lado de lá. Pra quem está do lado de cá, a tarde é a madrugada de quem vai e ainda não chegou, é um esperar triste e silencioso pelo dia que amanhecerá imprevisível, nublado ou ensolarado, talvez com chuva, granizo, quiçá neve. Ninguém poderá saber a intensidade do frio ou da saudade pra quem vai e pra quem fica, mas o sol que nos ilumina é sempre o mesmo, ainda que com suas variações de humor, seus fusos horários invertidos, suas nuances intempestivas de um aquarela dourada antes de dormir embaixo de uma de nossas camas e acordar tal e qual uma moeda de um centavo, redondo ou quadrado, do lado de lá. As nuvens, no entanto, são de cada um. A chuva que chega e que molha pode ser boa, pode ser má, pode ser a enchente ou a colheita. A chuva é de cada um. A noite pode ser treva ou pode ser farra, pode ser ócio ou pode ser tédio, ou pode ser só. A noite é de todos, o sol não vê a noite. A lua que míngua, um dia se enche. E quando se encher da cheia, esvazia, até ficar nova. A lua nova é o espaço vazio, é a ausência de luz que se projeta à frente, no espaço morto entre o minguar e o crescer. A lua cresceu, e cresceu bem; foi bonito, não foi? Veio a lua cheia, ah, que plenitude. Agora, a lua míngua, visivelmente e com força, um estágio antes. Virá o período da lua nova. A lua nova é ausência, é escuridão e céu negro. É ainda novidade, é o porvir, é a noite com seus guizos e grunhidos, talvez choros. Depois, com fé, a lua cresce, de novo, reluzente e tenaz, até que nasça a lua cheia, branquíssima, iluminada, a lua cheia mais bela que já se viu. E ainda com fé, há de se esperar que, ainda que a lua se decida por minguar de novo, que se demore na cheia, que não se vá tão breve, que seja suficiente sempre para encher de plenitude e luz os tempos vindouros, as outras luas, planetas, cometas e satélites que, porventura, um dia cheguem.

Quanto ao sol e ao movimento do sol, bom seria se pudéssemos nos fechar em um quarto, naquele quarto onde pudéssemos ver o mar imponente lá fora pela fresta da cortina, sem se importar se é dia ou se é noite, se o sol brilha com força ou sem, porque o que importava mesmo era nos ver através do espelho assim, inertes, inebriados de nós mesmos e de nossa própria luz artificial, contemplando a beleza do contorno e da sombra, sob o feixe de luz exato e pelo tempo que quiséssemos, bastando, à nossa vontade, regular, segundo nossas próprios anseios e desejos, ainda que inconscientes, as posições dos corpos e a intensidade da luz ou da penumbra daquela lâmpada incandescente do motel.

Por enquanto, porém, há uma natureza e uma meteorologia clamando do lado de fora: há lobos, corujas, cigarras, dias, noites, lua, sol, movimento. O inerte, por enquanto, é devaneio, é sonho de verão azul. Peço desculpas se não consigo evitar a existência e a intensidade da luz do sol, ainda que não agora, ainda que tente colocar uns óculos escuros para ver melhor as coisas e não me perder do caminho. Não posso refutar a luz, entenda, não agora, não posso negar a liberdade da luz do sol, ainda que o tempo acabe por ficar nublado às vezes, ou sempre, e ainda que eu me recuse, por vontade própria a me mover para tentar variar o menos possível a incidência da luz. Entenda que não posso me furtar a nada disso porque para optar pela inércia é preciso conhecer o movimento e, porque, lá, onde fulgura o outro lado do sol, não haverá motéis com lâmpadas incandescentes, onde me bastaria olhar a tua própria imagem naquele ângulo peculiaríssimo para que não fizesse questão do sol, mas não terei escolha; estarei do lado de fora, se fizer sol ou se chover.

Isto é um desabafo. Tem um monte de metáforas, mas continua sendo um desabafo. Acho que é uma forma de dizer o que eu quero dizer, o que eu preciso dizer, sem dizer necessariamente, ipsi litteris, aquilo que eu estou dizendo. É confuso, eu sei. Peço que não tente analisar meu texto palavra por palavra, isso vai me irritar; as idéias vão e vêm, se sobrepõem, se misturam, etc... Esse texto foi/está sendo escrito de uma só vez e não pretendo relê-lo, como não costumo fazer com textos desse tipo. No fundo, sei que você pode achar tudo isso uma grande babaquice, ou achar que eu fiz um texto bonito que demonstre o quanto minhas idéias são babacas; é uma interpretação possível. Falar dessas coisas todas é muito difícil, me abrir nesse blog é muito difícil; tentar expor, de alguma forma, aquilo do qual eu sempre me esquivo e sempre fujo é difícil pra cacete. Entendimento pleno dessas palavras nem eu as terei, mas é uma tentativa de tentar pôr as coisas em ordem, ainda que eu não consiga ou só embaralhe mais as coisas todas.

Se eu fosse desses, faria uma prece pra setembro chegar mais rápido. Mais para que setembro chegue, é preciso passar por agosto. E para agosto chegar, ainda temos julho inteiro pela frente. E, a despeito da vontade em contrário, esses dias, todos eles, terão de ser vividos, um por um, ainda que doam. Mas pode ser ainda, e tenho fé, de que haja o famigerado pote de ouro no final do arco-íris. Ou, quem sabe, um arco-íris inteiro quando acabar o pote de ouro.

Um comentário:

Yuri Cherem disse...

entao chega julho, assim como agosto, e setembro impreterivelmente. Que a luz do lado de fora, assim como a chuva não sejam impecílio para voce, não vos faça mudar de idéia. tem que se passar por tudo, por todas as fases da lua, mesmo que doa. Mas um pote de ouro estará esperando, dependendo de como a chuva se portar.