Esse aí da foto sou eu. Essa é a
minha foto de perfil no facebook, na qual estou vestindo minha própria
carapuça. O mote desse texto é a chatice na
qual esse tal de facebook tem se transformado. Não que eu não goste do
facebook: pelo contrário, eu adoro. Mas adoro menos a cada dia que passa.
Uma das grandes vantagens das
redes sociais, para quem as conheceu no início, era poder compartilhar as
coisas com algum grau de liberdade de pensamento, de sentimento e, sobretudo,
de expressão. O orkut, nos idos de 2004, era um grande descampado, não tinha
nada nem ninguém: uns gatos pingados aqui, outros acolá. E algumas pessoas anônimas
entre si (raramente havia alguém conhecido) que iam compartilhando suas impressões
e suas visões de mundo nos scraps e nas comunidades.
Existia uma certa cumplicidade
entre os membros daquela proto-rede. Era um sentimento gostoso de poder falar o
que se queria sem muitos freios, existia uma tolerância e uma margem muito
grande para desabafos, confissões, medos e angústias compartilhadas. Mas o ponto que eu quero chegar
é: existia uma margem grande para se falar dos outros. Da vida dos outros, da
raiva que se sente dos outros, da inveja que se tem dos outros (e da que os
outros têm de você). Podia-se falar numa boa da vida que está lá fora. As redes
funcionavam como válvula de escape.
É lógico que não se precisa ter
vivido a "Era do Orkut" para entender o que eu estou falando. Essa onda de
liberdade existiu no início da migração do orkut para o facebook. Existe até
hoje razoavelmente no twitter. Existe com algumas restrições em blogs (que já
cruzam a fronteira das redes sociais e se constituem essencialmente como outra
coisa). E essa coisa do "poder dizer" existe também de forma muito marcante na vida real. Vou dar um exemplo: você
tem um segredo para contar. Coisa séria, da sua vida pessoal, que ninguém pode
saber (um intercurso sexual de gosto duvidoso, uma traição, um flerte com gente
casada, uma admiração pelo Jota Quest, ser de direita, etc.). Tente responder
rapidamente: "Qual é a melhor pessoa com a qual essa informação pode ser
compartilhada?" A resposta, ao menos para mim, vem ligeira: "Um completo
desconhecido, ué!". A vantagem dos completos
desconhecidos da vida virtual em relação aos da vida real são várias. Contar um
segredo para alguém numa fila de banco pode ser ótimo. Mas contar um segredo
para alguém que more a uns 400 km de distância, e que tem um gosto muito
parecido com o seu para livros, filmes e músicas, pode ser melhor ainda. Daí, uma opção razoável era ter
um grupo de "amigos anônimos", que viam a sua vida, liam suas coisas, se
interessavam, opinavam, discutiam. Cheguei a ter "amigos anônimos" muito
próximos.
Mas à medida que o tempo vai
passando, sua vida virtual vai ficando cada vez mais difícil de ser descolada
da sua vida real. À medida que você opta por manter suas opções reais e
verdadeiras de nome e sobrenome nas grandes redes, as pessoas vão te achando. O
google vai indexando você a tudo que já foi dito ou visto na web. Sua vida vai
se tornando um livro aberto, e tudo bem. Nunca tive problemas em relação ao
velho-novo clichê de "a vida ser um livro aberto". Meu facebook tem todas as
fotos desbloqueadas (assim como o orkut também tinha). Quem não me conhece pode
ver o que eu posto, ler as minhas coisas, está tudo aí. Imagino que se algo não
deva ser compartilhado ou não deva ficar atrelado ao meu nome, essa coisa
simplesmente não está lá, não existe virtualmente.
O problema é que a gente acaba
caindo no paradoxo do livro aberto (aqui sim é, de fato, aonde que queria
chegar). Quanto mais aberto é o livro, menos coisas tem nele, e menos interessante
ele se torna.
Ficou puto no trabalho? Quer
matar o seu professor / orientador? Disse alguma coisa para os seus alunos e se
arrependeu? Teve uma crise de ciúmes por causa do melhor amigo dele(a)? Guarde para você. Os seus colegas de trabalho, seu orientador, seus alunos, os
amigos do seu (sua) namorado(a), estão todos, TODOS, no facebook.
Blablablá, configure sua
privacidade, blablablá... Não vai adiantar. A internet está aparelhada. Você
está o tempo todo sendo vigiado e controlado na sua vida virtual pelas pessoas da
sua vida real. As últimas coisas legais, no que
diz respeito às outras pessoas, que consegui compartilhar, foram sobre um
taxista preconceituoso e sobre uma massagista que desmarcou comigo em cima da
hora. Histórias boas, ótimas, mas que só puderam ser contadas porque NINGUÉM
ali tem o contato daquele taxista nem daquela massagista. Apenas duas das
talvez trezentas histórias interessantes que eu poderia contar, mas que vão
ricochetear em pessoas que existem também em versão online.
E mesmo assim, a gente tem que
aproveitar enquanto pode. Cruzando-se e sincronizando-se os dados de gps,
celular, local, horário GMT, etc, em breve vai ser possível que eles, os
anônimos da vida real, saibam quando alguém os toma como assunto. O antigo "minha
orelha está coçando, sinal de quem tem alguém falando de mim" pode ser
substituído em breve por uma notificação no smartphone confirmando que, sim,
naquele momento tem mesmo algum completo desconhecido falando sobre você.
Menos sinceridade e menos
posicionamento político, menos opinião; mais joguinhos, mais páginas impessoais
e divertidinhas de humor: é isso que o facebook está se tornando. É muita gente,
cada vez mais gente, e esse excesso de conexão entre as pessoas vai atravancando
o que quer que se tenha de relevante para se dizer. Com isso, o que nos resta a
fazer é ver o facebook (e, por extensão, toda a vida virtual) se transformando
em um molho rosé aguado, cópia meio aquarelada e chata da vida real que é feita
de pimenta e mostarda. O lado bom disso tudo é que essa
chatice funciona como uma catapulta de volta à vida real, às mesas dos bares
com poucos e bons amigos, aos encontros na casa das pessoas, aos arquivos em
Word "para consumo próprio" que não serão compartilhados nunca; uma catapulta de
volta às boas relações, com os outros e consigo mesmo.
Ah, as carapuças? Pois é, as
carapuças, quase que me esqueço delas. Uma das formas de fugir das armadilhas da
vida virtual seria contar meio-não-contando, contar omitindo os nomes, ou
reduzindo os fatos ao não-identificável. Contar omitindo os nomes é quase
um tiro no pé, dependendo do que se queira contar. E contar algo pela metade,
ou não-dizer dizendo, sempre dará margem a pessoas que tomam para si algo que
não foi dito para elas: e estão gerados os famosos mal-entendidos. Experimente
colocar alguma coisa dúbia no facebook. Por exemplo, escreva simplesmente "ódio!".
O que você vai ver é um bando de gente que não se contenta com informação pela
metade. E vai ter uma outra parte (menor, mas ainda considerável) que vai mostrar de alguma forma que "entendeu o recado", seja através de comentários no post, mensagem
privada ou ações na vida real. É muita gente vestindo a carapuça.
Só que na vida real, é muita
carapuça para pouca cabeça.
Um comentário:
Sensacional, Igor. Comecei achando seu texto um blablabla inócuo, mas acho isso de 95% dos posts de qualquer blog - ainda acho que os blogs não renovaram na forma de escrita depois de tantos anos - mas você me surpreendeu.
De fato, as redes sociais, quanto mais sociais são, menos sociais ficam. Que paradoxo é esse? Nesse caso vale criticar a ferramenta (a "rede") ou os seus operadores (a nós mesmos)?
Agora, arriscando uma futurologia, como será esse problema-paradoxo quando o mundo virtual se descolar do real? Matrix, eu acredito rs.
O que acontecerá quando nos tornarmos não mais apenas "corpo e alma", mas também avatar? Será que o avatar vai ser livre para criticar os corpos? Confuso e muito metafísico pra mim, que estranha até mesmo o Google Glass rs.
Abraço!
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