Decidi voltar e escrever no blog
porque preciso dar a minha opinião sobre o famigerado caso da união estável
entre três pessoas em Tupã, no estado de São Paulo, cuja reportagem, na
íntegra, pode ser vista aqui.
Minha primeira impressão foi a de
não rechaçar a ideia. Ora, o que tem de errado em três pessoas decidirem viver
suas vidas como bem entendem? Qual o problema disso? Mas depois, fui olhar o
problema com mais calma. E percebi que não apenas ‘não rechaço a ideia’, como
sou extremamente favorável ao encaminhamento legal da dita ‘poligamia’.
Hoje tive algumas discussões aqui
no escritório. Eu estava na minha, trabalhando. Eis que alguém, no outro lado
da sala (em voz alta), lança o assunto: “Vocês viram a pouca-vergonha do cara que
se casou com duas mulheres ontem no Fantástico?” Tive que me levantar e dizer: “Permitam-me
discordar, eu não acho que há qualquer pouca vergonha nisso!”
E aí, a discussão se instaurou.
A essa altura do campeonato, o
nazismo declarado da população brasileira não me impressiona mais. É só ler os
comentários da Folha de São Paulo em qualquer notícia com um tema mais ‘polêmico’.
No entanto, conversar com as pessoas que se comportam como se fossem os autores
desses comentários é uma experiência e tanto.
As pessoas se utilizam da
psicanálise, da sociologia e até do feminismo para justificar seus próprios
pontos de vista extremamente preconceituosos de não aceitar algo que fuja um
pouco à normalidade da curva estatística do comportamento. Ouvi argumentos como
“pessoas que apresentam um comportamento que muito se desvia do socialmente aceito,
acabam tendo outros desvios”, em uma discussão onde além de mim, engenheiro,
havia também um sociólogo e uma jornalista. Lembrou um pouco o comentário de um
colega meu, engenheiro, que disse algo que possui mais ou menos o mesmo teor,
mas com um grau maior de sinceridade: “Quem abre muito a cabeça, um dia acaba
abrindo a bunda.” Ouvi também que “o cara está criando um harém e isso invalida
as conquistas feministas” Não, não invalida nada. E também, argumentos mais
clássicos e mais honestos como “o problema é abrir precedentes” e “o que os
filhos dessas pessoas irão sofrer?”
Meu posicionamento é de que as
liberdades individuais, desde que não provoquem prejuízos a terceiros, não
devem sofrer nenhuma, repito, NENHUMA censura legal. Acho que pessoas que vivem
a três, a cinco, a nove, e são felizes assim, não devem nada a ninguém: essas
pessoas têm o direito de ser felizes. Existe uma paranoia em regular a vida
sexual alheia que não entendo. As pessoas deveriam se preocupar mais com seu
próprio cu, em vez de ficarem discutindo se é certo ou errado a vizinha que se
casou com um travesti.
Ah, mas se abrir precedente? Bom,
esse foi um caso isolado. Pode ser que depois desse, venham cinco, duzentos,
três mil. E aí? E aí que isso é a vida, é a sociedade que vai mudando. Se vai
evoluindo ou não, ou ainda, até que ponto essas coisas são um avanço, não
sabemos. Mas a sociedade caminha em direção ao seu próprio futuro, que, por
natureza, é incerto.
Isso invalida as conquistas
feministas? Pelo contrário, isso apenas reforça a sua autonomia. A conquista feminista é tão
grande que as mulheres são livres até para viverem do jeito que bem entenderem,
inclusive com dois homens, ou duas mulheres, ou um homem e uma mulher, ou
apenas com um homem, ou sozinhas, etcétera. São múltiplas as formas de
ser-no-mundo.
Certa vez eu vi um argumento, com
o qual concordo muito, que é o seguinte: “Para as mulheres negras, liberdade
mesmo é poder alisar o cabelo.” Vocês entendem? Houve um tempo em que ter o
cabelo alisado era a única forma de ser-no-mundo. Depois, veio o movimento black-power
e, com ele, uma estética de que as mulheres tinham que andar com os cabelos
armados. O que existe hoje é que manter o cabelo liso, ou solto, ou preso, ou
raspado, é cada vez mais uma questão de foro íntimo, pessoal. O nome disso é
LIBERDADE.
Não se precisa mais queimar
sutiã. Lógico, houve um dia em que isso foi necessário. Mas a liberdade mesmo é
que a mulher possa usar o seu sutiã para queimá-lo ou para seduzir o seu
marido, esposa, namorada, onze pessoas.
O que os filhos dessas pessoas
irão sofrer? Certamente, sofrerão menos do que os filhos de famílias
artificiais de comercial de margarina tradição-família-propriedade que têm que
arrumar uma namorada, têm que fazer direito / engenharia / medicina, têm que
ter filhos, têm que se casar, têm que seguir uma vida exatamente como todos
queiram, têm que! São mais felizes as pessoas que podem escolher a vida que
querem ter.
Pessoas que apresentam um
comportamento que muito se desvia do socialmente aceito acabam tendo outros
desvios? Prendam aqueles que têm algum desvio, antes que eles comecem a apresentar
o próximo! Prendam os gays, que vão seduzir as nossas criancinhas. Prendam os
maconheiros! Prendam os pretos, que vão roubar as nossas coisas. Prendam,
prendam, prendam! Pelo amor de deus, estamos no século XXI. Esse tipo de
argumento faria Hitler corar de inveja em 1943.
É uma pena que, nessa situação, a
revanche conservadora não possa utilizar a Bíblia como sua plataforma
principal: existem vários casos de poligamia na Bíblia Sagrada. Portanto, as
pessoas usam o que têm: preconceito, intolerância e, principalmente,
cientificismo torto.
A um dado momento, quando a
discussão se afunilava, a jornalista que participava do debate falou: “Mas o
ser humano julga todas as coisas. Essa é a minha capacidade de julgamento. Você
está querendo que eu deixe de julgar?” Daí eu disse: “Não mesmo. Você pode
julgar e pode até não gostar, se você quiser. Mas o fato de você não gostar não
pode servir como argumento para que haja uma lei que impeça o cidadão de viver
da forma que ele escolher. Afinal de contas, se a gente começar a julgar todas
as coisas que acontecem entre quatro paredes, daqui a pouco vai ter uma lei
dizendo qual posição sexual pode e qual não pode ‘por ser promíscua demais’.”
No mais, aproveito para dar os
parabéns ao trio que ‘se casou’ que, independentemente de serem mártires de uma
grande causa (só o tempo dirá), estão apenas sendo mártires para si mesmos, arcando
com o ônus da ousadia, mas bancando correr atrás da felicidade que acreditam.
Afinal de contas, a despeito das imposições sociais, estatística é uma coisa
que vale para populações, não para indivíduos. Portanto, para aqueles três
indivíduos, que não são suspeitos de fazerem mal a outrem e estão apenas querendo
legalizar a forma como se organizaram e como distribuíram seu amor, essa é a forma
certa de fazer as coisas.
Para tanto ódio do lado de fora,
que não falte amor do lado de dentro. Desejo que sejam muito felizes!
Um comentário:
Já ouvi muitas barbaridades no trabalho, e me assusta ver como as pessoas tem medo. Sim, porque elas reagem dessa forma por se sentirem ameaçadas - só não sei pelo quê.
Da última vez que tentei discutir um assunto "polêmico" (aspas porque não vejo polêmica nenhuma) sofri tanto - um longuíssimo discurso homofóbico, quase aos berros, que me deixou sem reação - que hoje em dia, confesso, tomo muito cuidado com certos assuntos. Não por medo de ser discriminada, mas porque dói muito ouvir certas coisas.
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