sexta-feira, 27 de março de 2015

Macunaíma do século XXI se chama Fátima


Para lá das águas turvas, depois das trilhas que saem do povoado em direção às florestas, dizem que há um grande tesouro. Fátima, que não é boba, foi até lá. Encontrou perigosos perigos, animais peçonhentos e bichos de fábula.
Em lá chegando, Fátima viu um pote dourado, e logo imaginou que deveria ser esse o pote que tanto procurava. Não era. Esse era apenas um pote dourado esquecido por um grupo de adolescentes da semana passada.
Depois, Fátima encontrou um pote muito pequeno, verde, com inscrições em uma língua estranha. Dentro do pote não havia nada. Ela olhou com mais calma e viu que logo abaixo das inscrições estava escrito ‘Made In China’.
Tupã apareceu um pouco depois na floresta, aquela cabeleira de altíssima condutividade elétrica. Fátima perguntou, ‘Oh, Tupã, que rege as águas, quedê o meu tesouro?’
E Tupã, que não era bobo, disse assim para Fátima: ‘Fátima, querida, eu sou Tupã, sou responsável aqui por reger os raios e os trovões. Quem cuida das águas aqui é a Ana, pergunte pra ela.’ ‘E onde posso encontrar Ana, oh Tupã, senhor da sabedoria?’ E Tupã lhe deu o endereço da Agência Nacional de Águas, em Brasília.
Lá chegando, Fátima perguntou pela Ana. Foi atendida por uma moça mulata e magra, chamada Estela. Estela, que não era boba, disse que a Ana não podia atender agora, mas que ela podia mandar os seus questionamentos para o Serviço de Atendimento ao Cidadão, através da Lei de Acesso à Informação.
E Fátima tirou do bolso o seu smartphone, e no teclado touchscreen fez um email-cartinha. ‘Oh, Serviço Todo-Poderoso que atende ao cidadão, fui informada de que é aqui que vocês podem me informar sobre o tesouro que tanto procuro’.
Quarenta e quatro dias depois, Fátima recebeu uma resposta do Isaías, técnico administrativo. Isaías, que não era bobo, foi logo logo tirando o seu da reta e disse assim pra Fátima: “Prezada Fátima, não podemos atender a sua solicitação. Seu protocolo é o 09627278. Quaisquer informações sobre o Tesouro Nacional devem ser tratadas pelo órgão competente, beijinho beijinho tchau tchau”
Aí a Fátima ficou fula da vida porque precisava mesmo do seu tesouro e não sabia que raios seria o órgão competente. Mandou pela antena parabolicamará um chamado em wifi para todos os povos da floresta que queriam saber do órgão competente pra achar o tesouro.
Tesouro vai, tesouro vem, plim-plim chega um e-mail da Gisela, que não era boba, dizendo pra ela “Aqui está o que você sempre quis saber, chega de farsas, clique aqui”. Claro que a Fátima clicou.
Aí o smartphone touchscreen wifi 3G da Fátima, que também não era bobo, tentou que tentou se esquivar dos vírus que a Gisela tinha mandado. E tentu fazer isso abrindo páginas e páginas aleatórias.
Só que deu um erro porque travou em uma página estranha. Dizia blablablá feitiço da ilha do pavão azul jacaratingonga joão ubaldo ribeiro michi-michi-michelê pois quem viu não fala nela e quem ouve falar não menciona a ninguém tching-rong-dan-dan encontro marcado em botafogo na terça-feira 24 para falar do tesouro.
Então que a Fátima, que não era boba, chamou todos os povos da floresta e também mandou um email pelo wifi pra Tupã e pra todos os povos da floresta porque ela decidiu ir. E a Fátima sabia que iam falar do tesouro dela, aí ela se ajeitou, colocou um perfume, decorou três versinhos e saiu de casa com pressa, meio sem saber se agora ela ia finalmente encontrar esse tal tesouro.

[texto escrito para o Clube da Leitura em 24 de março de 2015]