Para lá das águas turvas, depois das
trilhas que saem do povoado em direção às florestas, dizem que há um grande
tesouro. Fátima, que não é boba, foi até lá. Encontrou perigosos perigos,
animais peçonhentos e bichos de fábula.
Em lá chegando, Fátima viu um pote
dourado, e logo imaginou que deveria ser esse o pote que tanto procurava. Não
era. Esse era apenas um pote dourado esquecido por um grupo de adolescentes da
semana passada.
Depois, Fátima encontrou um pote muito
pequeno, verde, com inscrições em uma língua estranha. Dentro do pote não havia
nada. Ela olhou com mais calma e viu que logo abaixo das inscrições estava
escrito ‘Made In China’.
Tupã apareceu um pouco depois na
floresta, aquela cabeleira de altíssima condutividade elétrica. Fátima
perguntou, ‘Oh, Tupã, que rege as águas, quedê o meu tesouro?’
E Tupã, que não era bobo, disse assim
para Fátima: ‘Fátima, querida, eu sou Tupã, sou responsável aqui por reger os
raios e os trovões. Quem cuida das águas aqui é a Ana, pergunte pra ela.’ ‘E
onde posso encontrar Ana, oh Tupã, senhor da sabedoria?’ E Tupã lhe deu o
endereço da Agência Nacional de Águas, em Brasília.
Lá chegando, Fátima perguntou pela Ana.
Foi atendida por uma moça mulata e magra, chamada Estela. Estela, que não era
boba, disse que a Ana não podia atender agora, mas que ela podia mandar os seus
questionamentos para o Serviço de Atendimento ao Cidadão, através da Lei de
Acesso à Informação.
E Fátima tirou do bolso o seu
smartphone, e no teclado touchscreen fez um email-cartinha. ‘Oh, Serviço
Todo-Poderoso que atende ao cidadão, fui informada de que é aqui que vocês
podem me informar sobre o tesouro que tanto procuro’.
Quarenta e quatro dias depois, Fátima
recebeu uma resposta do Isaías, técnico administrativo. Isaías, que não era
bobo, foi logo logo tirando o seu da reta e disse assim pra Fátima: “Prezada
Fátima, não podemos atender a sua solicitação. Seu protocolo é o 09627278.
Quaisquer informações sobre o Tesouro Nacional devem ser tratadas pelo órgão
competente, beijinho beijinho tchau tchau”
Aí a Fátima ficou fula da vida porque
precisava mesmo do seu tesouro e não sabia que raios seria o órgão competente.
Mandou pela antena parabolicamará um chamado em wifi para todos os povos da
floresta que queriam saber do órgão competente pra achar o tesouro.
Tesouro vai, tesouro vem, plim-plim
chega um e-mail da Gisela, que não era boba, dizendo pra ela “Aqui está o que
você sempre quis saber, chega de farsas, clique aqui”. Claro que a Fátima
clicou.
Aí o smartphone touchscreen wifi 3G da
Fátima, que também não era bobo, tentou que tentou se esquivar dos vírus que a
Gisela tinha mandado. E tentu fazer isso abrindo páginas e páginas aleatórias.
Só que deu um erro porque travou em uma
página estranha. Dizia blablablá feitiço da ilha do pavão azul jacaratingonga
joão ubaldo ribeiro michi-michi-michelê pois quem viu não fala nela e quem ouve
falar não menciona a ninguém tching-rong-dan-dan encontro marcado em botafogo
na terça-feira 24 para falar do tesouro.
Então que a Fátima, que não era boba,
chamou todos os povos da floresta e também mandou um email pelo wifi pra Tupã e
pra todos os povos da floresta porque ela decidiu ir. E a Fátima sabia que iam
falar do tesouro dela, aí ela se ajeitou, colocou um perfume, decorou três
versinhos e saiu de casa com pressa, meio sem saber se agora ela ia finalmente
encontrar esse tal tesouro.
[texto escrito para o Clube da Leitura em 24 de março de 2015]