terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Vergonha Alheia



A contemporaneidade nos presenteia o tempo inteiro com coisas, conceitos e sentimentos novos. É sabido que a cada geração ficamos mais egoístas (mais egóicos mesmo), mais nos achando o último trakinas do pacote, mais superficiais, mais rápidos. Sim, o tempo passa e é evidente que as pessoas, individualmente, e em grupo, vão mudando.

E uma dessas coisas que tem surgido recentemente, e que a cada vez ganha contornos maiores, é isso a que chamamos vergonha alheia.

A vergonha é um sentimento que acompanha a humanidade há muito tempo. A vergonha da própria genitália, que é uma das primeiras vergonhas conhecidas pelo homem, alastrou-se e cresceu muito nas sociedades cristãs. Dessa vergonha primeva, vieram o pudor e o recato, o excesso de roupas, a moral, os ritos da côrte, e uma série de outras coisas (naturalmente, não com uma causalidade tão direta quanto coloco aqui; há muitos outros fatores além da vergonha que contribuíram para essas estruturas). Não dá nem para dizer que esse é um sentimento ruim, já que é algo que nos acompanha há tanto tempo, e está intrinsecamente arraigado a cada um de nós.

No entanto, existe uma mudança rápida em curso, que altera a forma como lidamos com esse sentimento. Sempre sentimos vergonha de nós mesmos: por termos feito ou falado bobagem, por estar com uma roupa inadequada, por ter uma voz esganiçada, enfim, por estar fora dos padrões de alguma forma.

Mas chegou a vez da vergonha alheia. Isto significa que eu sinto vergonha de algo que não diz respeito a mim. Tenho vergonha pelo que os outros estão fazendo. A roupa do outro é que está inadequada, o penteado do outro é que está feio, é o outro que está fora dos padrões, e isso passa a me dizer respeito de alguma forma.

Esse é um sentimento extremamente nocivo e perigoso. Em primeiro lugar, porque ele não existe. Ninguém sente, de fato, vergonha por uma outra pessoa. O que as pessoas fazem, o tempo todo, é julgar as outras pessoas, e transformar, apenas no discurso, seus próprios conceitos e preconceitos em “vergonha alheia”. Trata-se, em última instância, de um grande eufemismo.

A vergonha alheia parece mostrar também que, por mais modernidade que tenhamos, somos essencialmente os mesmos nos últimos dois mil anos: seres que julgam o tempo inteiro, e que se preocupam demais com a vida dos outros. A revolução francesa, a cubana, a chinesa, a feminista, a digital: nada disso foi capaz de mudar a grande força moral que paira sobre a humanidade; é como se o homem não tivesse conseguido se libertar.

Ainda temos medo do ridículo, e por isso nossas próprias vergonhas; ainda somos preconceituosos, por isso a vergonha alheia.

Eu me sinto esquisito todos os dias (todos os dias!) quando vejo pessoas que dizem ter vergonha alheia por causa da Miley Cyrus dançando Wrecking Ball, por causa do rolezeiro que quer colocar aparelho colorido nos dentes, por causa daquele menino que é super afetado e fala com trejeitos femininos.

Juro que não consigo mesmo entender essa necessidade de julgar os outros. A cada dia, tenho mais certeza (se é que se pode tê-las nessa vida) de que devemos deixar as pessoas livres para ser o que elas quiserem, para fazerem o que elas quiserem, da forma delas, do jeito delas, com as roupas e os cabelos delas. SET THEM FREE!

Se eu posso pedir uma coisa, o pedido é: POR FAVOR, PAREM. Em vez de olhar o tempo todo para os outros, talvez seja a hora de olharmos um pouco mais para nós mesmos, na ideia de recuperar aquela vergonha antiga (a própria), e poder sacar o quanto somos ridículos fazendo essas coisas. E se julgar, e se questionar, e se propor a melhorar. De si para si. E os outros, ah, os outros que entendam e questionem a si mesmos.


Aos que tentarem a mudança, vocês verão o quanto é libertador saber que a única vida com a qual você precisa se preocupar é a sua!