quarta-feira, 3 de abril de 2013

Bicicletas



As pessoas na TV e nos jornais ficam propalando a bicicleta como o supra-sumo (ou já seria o suprassumo?) da modernidade. Para ser moderno, antenado, descolado e formador de opinião, você tem que ter uma bicicleta. E de preferência ir ao trabalho com ela. E de preferência morando e trabalhando na Zona Sul. Esse tipo de gente sai na Revista O Globo de domingo.

À parte o fato de não ser branco o suficiente para sair na revista (nem suficientemente preto para entrar na ‘cota negão’ desse hebdomadário), confesso que tem vezes em que me esforço para ser esse cara moderno, antenado, descolado e formador de opinião. Embora a cada dia também menos jovem, o que se configura como um requisito extra, nos outros aspectos satisfaço os requisitos: tenho uma bike, moro e trabalho na zona sul, fui ao trabalho duas vezes de bicicleta. Faltou também uma profissão moderninha como designer, roteirista ou estilista, mas eu não estou aqui para falar das idiossincrasias desse jornal nosso de cada dia (cuja política eu analiso aqui). Vim para falar das bicicletas.

Existe uma coisa que pouca gente fala: o banho. O banho é um tabu. As pessoas de bike suam. E como elas fazem? Não é todo lugar que tem vestiário. E mesmo que tivesse... Tomar banho fora de casa é sempre bastante desconfortável. Você tem que levar seu aparato-higiene (sabonete, xampu, toalha, desodorante, etc). E também uma roupa nova. Ou seja, você tem que levar um peso a mais do que você levaria. E ainda tem aquele clima de ‘vestiário de academia’ que é sempre detestável.

Sempre existe a opção de não tomar banho também. Inclusive, há locais para os quais se vai que não dispõem de vestiário. Se não tiver, ok. Mas se tiver e você optar por não tomar banho, prepare-se para coçar os ouvidos: todos te chamarão de porquinho pelas costas. Mas tendo ou não tendo vestiário, o ônus do ciclista que opta por não tomar banho é: ter que lidar com o próprio suor.

Ambientalmente correto? Sei. No dia em que pensei em vir de bike, mas optei pelo ônibus, pensei (novamente) no banho. Se eu chegar lá e tiver que tomar um banho, será que minha pegada hídrica compensa?

A verdade é que não somos Amsterdam. E não seremos nunca. Vivemos em um país tropical. Essa lógica de ‘bicicleta por todo lado’ funciona bem para quem sai de casa no Leblon e vai pra PUC ou quem sai da Tonelero para ir à praia. Para grandes distâncias, isso tem que ser melhor pensado.

É lógico que bicicleta é legal para um ou outro, eu mesmo adoro! Mas achar que a bicicleta vai ser a solução para o problema viário das cidades é o mesmo que acreditar que a agricultura orgânica e agroecológica vai ser a solução para a produção e o consumo de alimentos no mundo.

Temos poucas ciclovias. Andar na rua é ainda perigoso. Eu moro no Catete e trabalho na Gávea: é longe. Ter que carregar tralhas como capacetes e equipamentos de segurança, além de novas roupas, quando convier, é outro problema.

Outra coisa que me deixa MUITO PUTO são essas MOTOCICLETAS que andam nas ciclovias. São veículos motorizados que deveriam ser proibidos de andar na ciclovia. A tal da bicicleta elétrica e suas variações: lambretas, patinetes e não-sei-mais-o-quê. Sinto-me aviltado quando esses monstros andam em uma faixa que explicitamente é para veículos não-motorizados. Sem contar que também ainda estou pra ver qual é a vantagem: você não pedala (e portanto, não sua). Ok, chega limpinho no trabalho, mas o benefício da bike não é justamente o de se exercitar enquanto se locomove? E essas porcarias NÃO SÃO AMBIENTALMENTE CORRETAS. As baterias carregáveis dessas bicicletas contém metais muito pesados, cuja produção, manutenção e descarte são extremamente nocivos ao ambiente.

Além disso, nossos bicicletários também não são seguros. Sei lá. Deixei minha bike dormir na rua de ontem pra hoje, no bicicletário da FGV, na rua Barão de Itambi. Cara, levaram meu banco e ainda tem uma estaca de madeira presa na minha tranca, sinal de que tentaram tirar minha bike da tranca e levar minha bicicleta. A gente perde a fé na humanidade, sabe. Eu acredito tanto nos homens. Sério, mais do que raiva, eu sinto um profundo desgosto às vezes de acreditar que tem uma galera que faz isso na maior.

Sem falar nas faixas compartilhadas, que poderiam ser uma coisa ótima se as pessoas fossem menos ignorantes. Transformaram esse pedaço da Pacheco Leão até o Baixo Gávea (o paredão do Jardim Botânico) em uma ‘faixa compartilhada’. Como tem muito poucos pedestres nessa calçada (dentre os quais, me incluo), as pessoas passam de bicicleta achando que isso é uma pista expressa. E são grossas, rudes, acham que o erro seu de estar andando na calçada.

Sei lá. Talvez eu repensasse uma série de coisas que estou dizendo aqui. Mas a verdade é que esse lance de roubarem meu selim me deixou meio azedo. E acabei fazendo esse post na contramão.