As pessoas na TV e nos jornais
ficam propalando a bicicleta como o supra-sumo (ou já seria o suprassumo?) da
modernidade. Para ser moderno, antenado, descolado e formador de opinião, você
tem que ter uma bicicleta. E de preferência ir ao trabalho com ela. E de
preferência morando e trabalhando na Zona Sul. Esse tipo de gente sai na
Revista O Globo de domingo.
À parte o fato de não ser branco
o suficiente para sair na revista (nem suficientemente preto para entrar na ‘cota
negão’ desse hebdomadário), confesso que tem vezes em que me esforço para ser
esse cara moderno, antenado, descolado e formador de opinião. Embora a cada dia
também menos jovem, o que se configura como um requisito extra, nos outros
aspectos satisfaço os requisitos: tenho uma bike, moro e trabalho na zona sul,
fui ao trabalho duas vezes de bicicleta. Faltou também uma profissão moderninha
como designer, roteirista ou estilista, mas eu não estou aqui para falar das
idiossincrasias desse jornal nosso de cada dia (cuja política eu analiso aqui).
Vim para falar das bicicletas.
Existe uma coisa que pouca gente
fala: o banho. O banho é um tabu. As pessoas de bike suam. E como elas fazem?
Não é todo lugar que tem vestiário. E mesmo que tivesse... Tomar banho fora de
casa é sempre bastante desconfortável. Você tem que levar seu aparato-higiene
(sabonete, xampu, toalha, desodorante, etc). E também uma roupa nova. Ou seja,
você tem que levar um peso a mais do que você levaria. E ainda tem aquele clima
de ‘vestiário de academia’ que é sempre detestável.
Sempre existe a opção de não
tomar banho também. Inclusive, há locais para os quais se vai que não dispõem
de vestiário. Se não tiver, ok. Mas se tiver e você optar por não tomar banho,
prepare-se para coçar os ouvidos: todos te chamarão de porquinho pelas costas. Mas
tendo ou não tendo vestiário, o ônus do ciclista que opta por não tomar banho
é: ter que lidar com o próprio suor.
Ambientalmente correto? Sei. No
dia em que pensei em vir de bike, mas optei pelo ônibus, pensei (novamente) no
banho. Se eu chegar lá e tiver que tomar um banho, será que minha pegada
hídrica compensa?
A verdade é que não somos
Amsterdam. E não seremos nunca. Vivemos em um país tropical. Essa lógica de ‘bicicleta
por todo lado’ funciona bem para quem sai de casa no Leblon e vai pra PUC ou
quem sai da Tonelero para ir à praia. Para grandes distâncias, isso tem que ser
melhor pensado.
É lógico que bicicleta é legal
para um ou outro, eu mesmo adoro! Mas achar que a bicicleta vai ser a solução
para o problema viário das cidades é o mesmo que acreditar que a agricultura
orgânica e agroecológica vai ser a solução para a produção e o consumo de
alimentos no mundo.
Temos poucas ciclovias. Andar na
rua é ainda perigoso. Eu moro no Catete e trabalho na Gávea: é longe. Ter que
carregar tralhas como capacetes e equipamentos de segurança, além de novas
roupas, quando convier, é outro problema.
Outra coisa que me deixa MUITO
PUTO são essas MOTOCICLETAS que andam nas ciclovias. São veículos motorizados
que deveriam ser proibidos de andar na ciclovia. A tal da bicicleta elétrica e
suas variações: lambretas, patinetes e não-sei-mais-o-quê. Sinto-me aviltado
quando esses monstros andam em uma faixa que explicitamente é para veículos
não-motorizados. Sem contar que também ainda estou pra ver qual é a vantagem:
você não pedala (e portanto, não sua). Ok, chega limpinho no trabalho, mas o
benefício da bike não é justamente o de se exercitar enquanto se locomove? E
essas porcarias NÃO SÃO AMBIENTALMENTE CORRETAS. As baterias carregáveis dessas
bicicletas contém metais muito pesados, cuja produção, manutenção e descarte
são extremamente nocivos ao ambiente.
Além disso, nossos bicicletários
também não são seguros. Sei lá. Deixei minha bike dormir na rua de ontem pra
hoje, no bicicletário da FGV, na rua Barão de Itambi. Cara, levaram meu banco e
ainda tem uma estaca de madeira presa na minha tranca, sinal de que tentaram
tirar minha bike da tranca e levar minha bicicleta. A gente perde a fé na
humanidade, sabe. Eu acredito tanto nos homens. Sério, mais do que raiva, eu
sinto um profundo desgosto às vezes de acreditar que tem uma galera que faz
isso na maior.
Sem falar nas faixas compartilhadas,
que poderiam ser uma coisa ótima se as pessoas fossem menos ignorantes.
Transformaram esse pedaço da Pacheco Leão até o Baixo Gávea (o paredão do
Jardim Botânico) em uma ‘faixa compartilhada’. Como tem muito poucos pedestres
nessa calçada (dentre os quais, me incluo), as pessoas passam de bicicleta
achando que isso é uma pista expressa. E são grossas, rudes, acham que o erro
seu de estar andando na calçada.
Sei lá. Talvez eu repensasse uma
série de coisas que estou dizendo aqui. Mas a verdade é que esse lance de
roubarem meu selim me deixou meio azedo. E acabei fazendo esse post na
contramão.