Estive durante dez dias no Nordeste, a trabalho. Para quem
não sabe, ou não se lembra, trabalho na Embrapa (unidade Embrapa Solos,
localizada no Rio de Janeiro), e uma das minhas atribuições é realizar a
avaliação das tecnologias que a Embrapa Solos desenvolve. Essas tecnologias são
utilizadas em todo o Brasil mas, no presente momento, a região Nordeste tem
sido contemplada como um importante público-alvo das nossas ações. Dessa forma,
lá fui eu para o Nordeste, conversar com alguns produtores rurais e verificar,
de perto, como as tecnologias que a Embrapa desenvolve são importantes para
aqueles indivíduos. As avaliações são feitas considerando os aspectos sociais,
econômicos e ambientais. Nunca tinha ido ao Nordeste na vida e, minha
experiência estava programada para ser bastante intensa. Pernoites em cidades
grandes ou capitais, acordar cedo, pé na estrada e pequenas cidades e vilarejos
no percurso acordado. Pensei em fazer um ‘diário de bordo’ ou algo do tipo, mas
não tive condições físicas e psicológicas para me dedicar a isso. Portanto,
como um resumo desses dez dias, o que faço é um relato a posteriori, à medida
que vou me lembrando de cada uma das coisas e de seus momentos importantes.
Pois bem. Saí do Rio rumo ao Recife no dia 25 de novembro.
Fiquei no Hotel Aconchego, a duas quadras da UEP Recife, unidade de execução de
pesquisas da Embrapa Solos no Nordeste. Passei o domingo fazendo um
reconhecimento no bairro da Boa Viagem e tentando me localizar espacialmente.
Instalei-me confortavelmente e dormi cedo, pois o combinado era que partíssemos
no dia seguinte às 05:00h.
Às 5:00h da manhã de uma segunda-feira encontrei-me com a
pesquisadora Maria Sonia, da UEP e o João Cordeiro, também da UEP, que nos
dirigia. Um carro bonito da Embrapa, uma ‘ranger’, que se mostrou absolutamente
necessária pelos caminhos que iríamos passar. Ficaria três dias com eles,
analisando o impacto da tecnologia das barragens subterrâneas, que servem como
forma de armazenamento de água da chuva no subsolo nos períodos de seca no
Nordeste. Tomamos café da manhã na estrada. O primeiro choque: macaxeira,
batata-doce, cuscuz, carne de sol, queijo coalho, pedaços de frango. O
café-da-manhã por ali tinha cara de almoço. Depois de umas cinco horas de
viagem, chegamos a Santana do Ipanema / AL, encontramos o primeiro agricultor,
S. S., e o pegamos em um posto de gasolina em direção a São José da Tapera / AL,
para a casa do agricultor S. D. Em lá chegando, S. D. tinha preparado um farto
almoço para todos nós. Galinha capoeira (que conhecemos como galinha caipira
por aqui), farofa, feijão, uma salada vinagrete que nunca vi igual. Uma delícia.
Conversei em primeiro lugar com um técnico agrícola, que ajuda S. D. no seu
cultivo. Depois, conversei com S. S. e, depois com S. D. Munido unicamente de
um kit contendo prancheta, caneta e alguns questionários que funcionam como
fios condutores do discurso, além da minha própria voz, fui conhecendo o ‘mundo
de vivência’ deles (estou até agora arrependido de não ter utilizado um
gravador, mas haverá outras oportunidades). Ambos são pessoas extremamente
simples. S. S. gosta de falar com garbo, arrojar o discurso. Não fala como ‘homem
da cidade’, mas percebe-se nitidamente que, para ele, a forma de falar é um
indicador social. Tem muito orgulho de ser agricultor familiar e já esteve na
Argentina falando de sua experiência. S. D. tem uma fala mais suave, mais
tranquila. É mais despreocupado na fala, no traquejo. Tem um jeito manso de
encarar a vida que é, de fato, encantador. Sequestrei uma de suas frases para a
minha vida: “O mundo é composto.” É uma das coisas mais bonitas que já ouvi. Após
o momento conversa-e-questionário, fomos conhecer a barragem de S. D. na área
que ainda se mantém úmida apesar da pior seca dos últimos 40 anos enfrentada
pela Região Nordeste, S. D. ainda tem áreas de solo úmido por conta da barragem
e planta coentro, milho, feijão e frutas. S. D. ficou particularmente feliz ao
descobrir um pé de cedro no seu terreno, que não foi ele que plantou (“deve ter
vindo com o vento ou pelos pássaros”). As condições de declividade do terreno e
pedoclimáticas de S. D. são bastante privilegiadas, de forma que o sucesso de
seu cultivo não deve ser tomado como o modelo de produtividade de todas as
propriedades que contam com barragens subterrâneas. Achei interessante a
adaptação de linguagem que tem que ser feita quando se conversa com os
produtores. Eles não contam seus animais como aves, bovinos, ovinos e caprinos.
Eles têm rês e criação. Rês é gado bovino. Criação é todo o resto. Alguns
também não utilizam hectares para medir seus terrenos. Eles medem suas terras
por ‘tarefas’. Felizmente, S. S., me deu a valiosíssima informação de que 1 há pode
ser convertido para 3,17 tarefas... Ambos os produtores aparentam ser pessoas
muito felizes. As barragens contribuem para a manutenção da segurança alimentar
de ambos. Uma coisa bastante interessante é que sempre pensamos no modelo de
avaliação econômica como a chance ou a possibilidade de se obter lucros com
esta tecnologia. S. D. vende uma parte de seu cultivo a atravessadores, mas doa
parte de sua produção e de sua água a vizinhos e outras pessoas que passam pela
sua propriedade. Os economistas poderiam chamar a isto de ‘falha de mercado’,
mas é bastante razoável compreendermos que a verdadeira ‘falha de mercado’
ocorre quando pessoas morrem de fome e de sede enquanto há comida e água do
outro lado da cerca. Uma coisa que a gente aqui do centro-sul não entende é
isso: alguns podem ter comida, outros podem ter água, mas a seca é para todos.
E a solidariedade é a ‘falha de mercado’ de um capitalismo que não foi
projetado para o semi-árido. Depois dessa majestosa estreia em campo e de ter
começado com o pé-direito com dois agricultores dispostos a conversar, jantamos
em Garanhuns / PE, onde o clima é mais ameno, e por lá pernoitamos, no imbatível
hotel Tavares Correa, no qual tivemos uma noite de reis.
Dia seguinte, terça-feira. Após um ótimo café-da-manhã, no
qual comi mugunzá pela primeira vez (uma delícia!), fomos conhecer a barragem de D. S., em Buíque / PE.
As condições do terreno de D. S. não são nem de longe aquela que vimos com S.
D. A seca em Pernambuco foi muito pior do que em Alagoas. A área da barragem
estava muito seca e D. S. perdeu boa parte de seu gado. Pelo seu porte, pudemos
perceber que não havia fome (“graças à barragem, a gente tem feijão e milho
estocado desde o ano passado”). Havia muita disponibilidade em colaborar com os
questionários, mas a seca assume proporções alarmantes na sua voz (“se não
chover, vai morrer todo mundo”). Complementa-se a renda com artesanato de panos
de prato. Comprei um para mamãe, mas achei os preços caros (será que nosso
preço foi diferenciado por sermos ‘da cidade’?). Levei uma pedra que vi no
terreno, uma pedra vermelha, árida. Gosto de pedras. Saímos pouco antes de
meio-dia e optamos por não almoçar, pois não daria tempo. Tínhamos um
sortimento (de minha parte) de muitas barras de cereais e alguns outros víveres
(batatas fritas, água, etc...) que fomos comendo no carro a caminho de
Queimadas / PB. Pela estrada, havia muitos mandacarus e facheiros (um tipo de
cacto mais aberto, em forma de coroa). A seca se via da paisagem.
Chegando em Queimadas / PB, precisaríamos ir à propriedade
de D. D. Não tínhamos o endereço certo, e o celular de quem poderia nos
fornecer também não pegava. Fomos pedir informação na rua e conhecemos um
policial reformado, de cujo nome não recordo nem as iniciais. Ele nos levou até
a casa de D. D., na cidade, mas era a pessoa errada. Finalmente conseguimos o telefone
da pessoa que conhecia a localização de D. D., em uma localidade conhecida como
Catolé Dois. O tal policial reformado (gente boa!) disse que nos levaria até
lá. Na verdade, nos levou até a casa de um outro senhor, que, este sim, sabia o
caminho. Ranger cheia, lá fomos nós pela estrada de terra, infinita. Chegamos
em uma encruzilhada onde havia um senhor parado com uma espingarda na mão. Logo
me vieram à mente cenas de coronéis ou traficantes, “donos do local”, que como
nas favelas do Rio, liberam quem entra e quem sai. Nada disso, me disseram que
era só um caçador de passarinhos. Mas eu fiquei mor-ren-do de medo. Chegando enfim, a casa de D. D., a original,
encontramos uma pessoa especialmente simpática e mais simples do que a média.
Ficamos conversando numa prosa boa, e descobrimos que D. D. não possui mais a
barragem. Segundo a própria, a mesma (que consiste numa estrutura de plástico
enterrada sob uma vala em uma região declivosa, que barra a vazão de água no subsolo)
foi instalada perto de uma craibeira, uma árvore lindíssima que lembra um ipê
(vimos alguns exemplares pela estrada) e que tem raízes muito profundas. Vendo
que a barragem não funcionava mais, D. D. descobriu que as raízes da craibeira
furaram a barragem. Ela ficou com pena de derrubar uma árvore tão pujante e,
entre a barragem a craibeira, ela optou pela árvore. Sem arrependimentos. Ela
disse, no entanto, que foi muito feliz enquanto teve a barragem, e que
possibilitou a ela muito bons cultivos e muita experiência de vida, que ela conheceu
muitos outros lugares, que fez intercâmbio com muitos outros agricultores, e
que gostou muito. D. D. disse que perguntaram se ela queria fazer uma outra
barragem em sua propriedade, em outra parte do terreno, mas ela disse que não
tem mais energia para fazer as manutenções necessárias. D. D. é dessas que tem
o timing das coisas, está em outra: aposentada, curtindo seus netos. De uma
sensatez impressionante.
Em seguida, na mesma localidade, descobrimos que havia um
outro produtor que possuía uma barragem subterrânea, S. V. Fomos conversar um
pouco com S. V. Fiquei meio sem graça pois diferente dos outros locais, em que
a própria Sonia e o João me davam uma privacidade com o produtor, dessa vez eu
tive que entrevistar S. V. sob os olhos da Maria Sonia, do João (nenhum
problema nisso), do policial reformado e do outro senhorzinho. Encabulamentos à
parte e lidando com as coisas da forma como era possivel, a entrevista fluiu
relativamente bem. S. V. parecia bastante pouco empolgado com a barragem e com
a vida, de uma forma geral. O produtor tinha uma mágoa muito grande com alguma
coisa na sua vida recente (diz que ele era muito bonito antigamente) e, apesar
de ter respondido ao que lhe era perguntado, parecia distante, e ferido de
alguma forma. Claramente, nada a ver com a barragem. (“de uns anos pra cá,
minha vida deu uma viravolta”), mas não entramos nesse meandros. primeiro,
porque não nos interessava (a dor do outro deve sempre permanecer como um
território inviolável, como sua própria casa, à qual só se se entra com a
expressa permissão do dono) e, em segundo lugar, porque estávamos com outras
pessoas que eram da localidade, o que tornava o “falar da própria vida” uma
coisa ainda mais complicada. S. V. utilizava sua barragem, basicamente, para
plantio de capim para o gado, o que achei digno de nota. Deixamos o senhorzinho
em sua casa e, depois, o policial reformado. O policial quis que entrássemos em
sua casa, o que fizemos por cortesia e gratidão. Ele descortinou sua triste
história de vida, da falta de atenção por parte dos filhos e dos netos. Falou
da ex-mulher e da piscina que mantém em casa para seus netos, que nunca vão à
sua casa. O casamento acabou porque a mulher teve depressão e toma remédios
controlados (nunca sei se essas coisas são de fato depressão, ou se ela teve um
problema “de pressão”; o lance dos remédios controlados também não ajuda). Não
sei a culpa que o policial tem nisso tudo nem das merdas que ele fez na vida
pra merecer isso ou aquilo (“a gente não sabe a história”). Mas fiquei com
pena, confesso. Tão prestativo... Levamos umas goiabas de seu pomar, que
estavam ótimas, e seguimos para Campina Grande / PB.
Em lá chegando, fomos para o Hotel Village, bem localizado e
de cujo quarto não gostei muito. Tomamos banho e fomos jantar fora. Fomos para
o Bar do Cuscuz, onde encontramos outros embrapianos, amigos da Maria Sonia.
Achei Campina Grande uma cidade simpática, pelo pouco que circulamos. Fomo
pedir informação na rua a um bêbado, que quase entrou no carro, e a uma muda,
que grunhia uma negação que não entendíamos (provavelmente querendo dizer “não!
ele está bêbado!”). O Santo dos Perdidos & Achados, assim nominado pela
Maria Sonia, não falhava, de forma que com ajuda de bêbados, mudas, ou
policiais, sempre chegávamos aonde precisávamos... Tivemos um jantar muito
agradável, onde comi pela primeira vez carne de bode. Achei ótimo. Feijão de
corda (“feijão verde”, no linguajar local), farofa e carne de cordeiro
completavam o cardápio. Dormimos.
Depois de um dia longo e sem almoço, tomamos café da manhã
com calma e decidimos visitar uma barragem em Soledade / PB. Contamos com o apoio
de uma ONG local para chegar lá e podermos conversar com o produtor rural, S.
I. O produtor ficou uns quinze minutos falando de política local, de que a ONG
vinha, ajudava e depois ia embora,e que eram necessárias ações mais afirmativas
e constantes ao longo do tempo, de amplitude mais coletiva. S. I. tinha um
forte perfil sindical. Cheguei a cogitar que nossa entrevista não fosse à frente,
dada a quantidade de fala política que entremeava seu discurso. A um dado momento,
porém, conseguimos alinhar o discurso e focalizar nos aspectos que
precisávamos. O agricultor utilizada sua área úmida de dolo para plantio de
capim, o que parece ser uma tendência na Paraíba. Por alguma razão que não se
sabe bem qual é, os agricultores paraibanos fazem a opção de alimentar o gado e
manejar o dinheiro da venda do gado do que utilizar as áreas para plantio de
hortaliças e leguminosas para consumo próprio. S. I. é bastante articulado.
Além da barragem subterrânea, o mesmo tem um barreiro (buraco no chão, uma
espécie de açude artificial para captação de água), dois poços, um cata-vento
(mini-gerador de energia eólica) e um poço artesiano de inacreditáveis quatorze
metros). Apesar de seu terreno não ter as melhores condições naturais, o
arsenal tecnológico utilizado pelo produtor permite que o mesmo consiga viver
bem mesmo nestes períodos de seca intensa (“as pessoas falam da seca. eu não
sei o que é seca por aqui.”). Seu gado estava com uma pele brilhosa e, gordo.
Um gado muito garboso, em contraste com a seca que se via na paisagem.
Saímos de lá diretamente para o aeroporto de Recife, pois eu
deveria embarcara para Natal, para acompanhar outro projeto. Comemos um milho
assado na estrada (ótimo! nunca tinha experimentado) e pouco depois almoçamos,
também na estrada, por volta de umas 16:00h. Cheguei no Recife a tempo do voo
para Natal e agradeci muito a Maria Sonia e ao João. São, de fato, pessoas
incríveis, muito competentes e companheiras. nesses três dias de estrada
hardcore, adquirimos uma intimidade e uma solidariedade comum que no modo
normal da vida demora-se muito tempo para conseguir. Esses três foram os mais intensos
da viagem: onde mais aprendi, e onde mais entrei em contato com essa realidade
distante que eu sempre achei que não me dissesse respeito.
Cheguei em Natal exausto após um voo Trip. Cheguei s 22:00h
no meu hotel de frente para a praia. Fui jantar forever alone em um
restaurante-bangalô turistão. “Mesa pra quantos, senhor?” “Ah, só eu mesmo”.
Comi uma salada, saí do restaurante, olhei a orla da Ponta Negra e, quando
olhei para o horizonte, pensei que eu estava mais perto da África do que quando
olhava o horizonte do meu Rio de Janeiro.
Acordei cedíssimo, tomei café no hotel e após alguns atrasos
e quase-desencontros, encontrei Silvio e José Ronaldo (que são da Embrapa Solos
do Rio) no hotel e pegamos a estrada rumo a Jandaíra / RN. A tecnologia a aser
avaliada dessa vez seria o Tomatec, um sistema de produção de tomate ecologicamente
cultivado, desenvolvido pela Embrapa. Encontramos o produtor R. no seu sítio.
R., diferente do perfil de produtores que eu tinha visto até então, era
engenheiro agrônomo, fazendeiro de médio porte, (tinha cerca de 12 empregados
no seu sítio) e utilizava a agricultura não como subsistência, mas como
atividade produtiva capaz de gerar valor. Apesar de estar se recuperando de uma
doença séria, R. nos recebeu com um ótimo almoço e se mostrou bastante
entusiasmado com a tecnologia e com a presença da Embrapa na sua propriedade. A
entrevista, da qual muitas informações foram extraídas, foi feita com sucesso.Por
se tratar de um perfil diferente de produtor, as perguntas puderam ser feitas
de forma mais straight-forward, ou seja, de forma mais simples e direta, de
engenheiro para engenheiro. Houve um Dia de Campo em sua propriedade, evento
que tinha por objetivo prospectar novos agricultores para o Tomatec e ensinar
as técnicas do sistema de produção a alguns estudantes de cursos técnicos em
agronomia locais. Visitamos a parte onde estava sendo cultivado o Tomatec,
experimentamos alguns (são gostosos!) e vimos as técnicas de ensacamento de
pencas, manejo com fitilho, fertirrigação por gotejamento, manejo integrado de
pragas, etc... Entrevistei também um outro produtor, L., que não teve tanto
sucesso como R. no seu cultivo do Tomatec, por questões de mão-de-obra, e
também, um técnico agrícola (extensionista rural) que trabalha com eles. Saímos
de lá e passamos em Ipanguaçu, onde um dos pesquisadores da Embrapa, o Silvio,
está construindo uma fábrica de ‘lenha ecológica’, os chamados briquetes. A
fábrica está saindo muito legal, está quase pronta. De lá para Natal, cerca de
três horas de viagem, passamos por uma estrada escura e quase se carros
(bastante medonha) e fui conversando com o Silvio sobre as coisas da vida, num
debate saudável com alguém que tem opiniões diametralmente opostas às suas em
muitas das esferas da política e do direito. esse tipo de debate é sempre
interessante (com quem consegue respeitar as ideias do outro, apesar de
diferentes). Só foi chato para o José Ronaldo, que ficou no meio de um ‘fogo
cruzado’ verbal, que deve lhe geral alguns pesadelos no qual o grande monstro
seja este tipo de discussão. Chegamos em Natal, encontramos a esposa do Silvio
e jantamos. Fui para o hotel às 23:00h. Arrumei minhas coisas e para lá de
meia-noite, exaustíssimo, dormi, para acordar no dia seguinte e, sem aproveitar
um pedaço sequer da praia, acordar ás 5:00h, não tomar café da manhã e se
mandar para o aeroporto para embarcar de volta para o Recife.
Cheguei no Recife pela manhã e fui de malas pra Embrapa
(UEP) porque ainda era muito cedo pra fazer o check-in no hotel,. Conheci toda
a unidade, cada um dos seus pesquisadores, analistas e assistentes. Maria Sonia
me apresentou toda a equipe, do chefe-geral às secretárias. Almocei com Maria
Sonia e o chefe-geral, José Carlos. Foi muito importante, tanto em termos de
conhecimento, quanto politicamente. Passei a tarde organizando meus papéis no
hotel, arrumando todo o conhecimento e informações que eu tinha coletado até o
momento. Fui ao Shopping Recife à tarde pra almoçar e achei ruim. Decidi sair
durante a noite e conhecer uma amiga virtual de literatura, a Raquel, que já
conheço virtualmente há pelo menos uns cinco anos, através de uma comunidade no
Orkut. No meu primeiro momento de lazer efetivo, marquei com ela no Recife
Antigo, um bairro que é a Lapa de lá. Estava ela e o Alfredo, vulgo Pajé, que
eu chamei de Rogério, porque ouvi desa forma. Ficou Rogério. A Raquel é uma
pessoa encantadora. Fã de Cortázar e de uma semelhança político-ideológica e
cultural que dá gosto de conversar. Rogério também é gente finíssima. É do Sul,
foi pro Nordeste, é dessas pessoas que cruzam o mundo e que nunca precisou do
eixo Rio-São Paulo pra ser feliz. Foi uma noite deliciosa, a cerveja que
faltava num fim de semana depois de tanto cansaço. No final, meia-noite e meia,
ainda vi um maracatu rolando no Recife Antigo, um ensaio, na verdade. Fiquei
eufórico e emocionado. Não é maracatu produzido, como o daqui do Rio. É gente
dali mesmo, gente simples, sem produção de vestimenta, que toca porque curte. A
coisa é roots mesmo, não tem proselitismo. E de uma qualidade impressionante,
de graça e na rua.
Dormi, acordei e tive um sábado ótimo. Fazia um sol bonito e
eu fiquei na piscina do hotel pela manhã. À tarde, decidi ir a Olinda. Adorei.
É extremamente parecida com Santa Teresa. ladeiras, casas bonitas e coloridas,
lojinhas de souvenirs e artesanato, gente muito rica e gente muito pobre,
desigualdade: Santa Teresa, ipsis litteris. Almocei num restaurante trendy,
comprei presentes para a família. Esse clima de ter muita coisa á venda dá um
ar de shopping a céu aberto e dota a coisa toda de uma artificialidade muito
desnecessária. O carnaval ali deve ser um inferno, que nem Santa Teresa.
Descobri que tinha um jazz em Olinda, ás 21:00h, e cogitei ir. Liguei pra
Raquel e não consegui falar com ela, e falei com Rogério que disse que iria
estar por lá. Cheguei ao hotel e dormi sem ter muita consciência disso, ás
18:00h. Acordei ás 21:00h sem saber se era dia ou se era noite. Acho que nesse
cochilo eu consegui, enfim, descansar de tudo aquilo que eu tinha vivido nos
dias anteriores. Fiquei nessa de vou-não-vou, mas era sábado à noite e decidi
ir pra Olinda. Peguei trânsito, quando eu cheguei em Olinda às 23:00h, o mundo
desabou em água sob a minha cabeça enquanto eu subia as ladeiras. Cheguei ao
local do Olinda Jazz e descobri que o show tinha acabado de acabar. Comi um
churrasquinho de frango na esquina, na chuva, estava morrendo de fome. Decidi
ir embora o quanto antes, com medo de que meu ônibus pro Recife não passasse
mais. Peguei o 910, Piedade –Rio Doce, e cheguei ao meu hotel. Mais um pouco e
eu teria que esperar o bacurau, nome dado ao único espécime da linha de ônibus
que roda pela madrugada. Achei bacurau um nome muito divertido. Acho legal
saber que no Rio, as linhas circulam apenas em frota reduzida, mas não temos
que ficar na dependência do bacurau... Enfim, um sábado à noite pra se fuder.
Veio o domingo. O tempo fechou, nublou mesmo, choveu. Fui ao
Recife Antigo pra conhecer o Recife. Ninguém na rua: chuva, frio. Forever
alone. Passei na Rua do Carmo, espécie de Saara ou 25 de Março de lá. Passei
pelas pontes, fui ao Paço Alfândega. Mas, caraca, tudo muito triste mesmo.
Voltei pro hotel e me deu uma puta saudade de tudo e de todos: das minhas
coisas, das minhas pessoas, do meu lugar. À noite, fui a uma social na casa da
Maria Sonia, onde vi outras pessoas da Embrapa (de outras unidades, pessoas que
eu não conhecia). Mas tê-la visto e ter conversado um pouco com outras pessoas
me fez me sentir um pouco melhor...
Segunda-feira o dia foi de trabalho. Acordei cedo para
encontrar o João (novamente) e a Selma, rumo a São Vicente Férrer, município da
Zona de Mata de Pernambuco, onde a Embrapa tem um projeto de otimização do
cultivo da videira. Nosso encontro foi na sede da cooperativa que os
agricultores possuem. A cidade passa por um momento muito bacana, onde a
Embrapa, de fato, tem atuado como elemento criador de valor para os produtores.
Paulatinamente, o cultivo da banana vem sendo substituído pelo cultivo da uva:
mais interessante e mais rentável para o município. Em vez de aplicar os
questionários individualmente, fizemos um esquema de oficina com dois grupos de
4 e 6 agricultores, respectivamente. O trabalho foi ótimo e conseguimos captar
a percepção de dez agricultores sobre o benefício tecnológico proporcionado
pela Embrapa. Os agricultores, cooperativados, têm visivelmente um brilho nos
olhos quando falam da Embrapa e da melhoria na qualidade de vida que passaram a
ter com o cultivo da uva. Aliás, fui ao campo experimental da Embrapa e comi
algumas uvas do pé: deliciosas. E quem me conhece sabe que eu nem sou fã de
uvas-de-mesa, com caroço. Mas, nossa, são deliciosas mesmo!
De lá, voltamos para o Recife. Descobri que a designação de
gênero do Recife é masculina, e não neutra. “Prefeitura do Recife”. Portanto,
você está no Recife e não em Recife. Isso parece bobo, mas é a diferença entre
ser local e não ser... E dormi, e acordei cedo, tomei café-da-manhã e vim para
o Rio de Janeiro. E cheguei em casa, exausto, às 15:00h, e ás 16:00h, já estava
de saída porque eu precisava dar aulas, e a vida continuava.
E foi assim que eu voltei de lá uma outra pessoa e ainda o
mesmo, com novos amigos, novas formas de ver o mundo, e uma percepção de que o
Brasil é muito maior do que o que a gente supõe. Agora, que conheço mais, tenho
clareza de que conheço ainda menos. E pro Norte? E pro Pantanal? E pro Sul?
Quantas cidades e quantas terras, quantos agricultores, quanta vida, quanto
sonho e quanto chão: quantos Brasis ainda temos a descobrir?