Liliana Porter - The Resemblance (1979)
A genialidade não é óbvia, nem é um consenso. É impressionante a forma como algumas obras de arte nos tocam de maneira peculiar. E perceber isso é simples: basta ir com um ou dois amigos a uma exposição. Cada um vai dedicar mais tempo a algumas obras, terá mais interesse em algum tipo de estética, ficará mais ligado no posicionamento da luz, no uso das cores, na forma como o artista trabalha com o real e o abstrato, etcétera (adoro escrever etcétera por extenso! :D). Andar com alguém em uma exposição é sempre um descompasso. Pois bem, essa breve introdução é apenas para falar sobre essa obra aí em cima.
The Resemblance (1979), de Liliana Porter. Conheci essa obra no Museo de Bellas Artes, em uma recente viagem que fiz a Buenos Aires no feriado de Corpus Christi. Fiquei quase dez minutos detido nela, andei pela exposição e depois voltei à obra. Fiquei contemplando um tempo mais, e peguei o nome da artista pra ver mais coisas sobre ela depois na internet.
Ela tem um site bacana, mas confesso que não fiquei vendo muito bem as outras obras. Aliás, admito que esta própria obra não me parece tão genial e tão magnânima quando a olhamos na tela de um computador. Mas dentro do museu, vendo a obra em tamanho grande, foi que pude realmente capturar toda a genialidade da obra (ao menos para mim).
A obra é genial, fantástica. É incrível como ela consegue, com uma ideia simples, brincar com o conceito de multidimensionalidade. Na obra, quatro elementos geométricos ( um bastão, uma esfera, um cubo e uma pirâmide) são representados de três diferentes formas. A primeira delas é um esboço a lápis. O esboço está representado em duas dimensões. No esboço, não há noção de profundidade, é apenas uma desenho “chapado” na tela, apesar de conter em si mesmo a ideia de ser um projeto para a terceira dimensão. Logo acima, vemos os quatro objetos retratados em três dimensões. Existem noções de profundidade, luminosidade, e todo o traço da artista nos leva a vislumbrar a tridimensionalidade da obra. Até o momento, podemos fazer a interpretação simples de que o esboço em duas dimensões se transforma no objeto tridimensional. É o projeto que se transforma em objeto, a ideia que se materializa. Mas eis que surge a grande sacada da obra, na minha opinião, que é a terceira representação dos objetos. Nessa última, os objetos estão desenhados sobre uma folha de papel, que “salta para fora”, dando a ideia de uma ortogonalidade em relação ao plano da tela. Nessa última representação, as dimensões presumidas são reinventadas. As formas, que aparecem anteriormente em um projeto de duas dimensões, depois em três dimensões propriamente ditas, aparecem agora novamente em duas dimensões. E a folha de papel, que é naturalmente percebida como um objeto bidimensional (figura), ergue-se e apresenta a sua tridimensionalidade (forma), quase sempre ignorada. Então, o que se tem nessa última configuração são os sólidos subdimensionalizados (são originalmente em 3D, mas apresentam-se como 2D) e o suporte superdimensionalizado (é naturalmente em 2D, mas apresenta-se como 3D). Daí, que temos formas, que agora são figuras, sendo representados sobre uma figura, que agora é forma. E essa representação por si só, não é nem bidimensional, nem tridimensional. É como se ela possuísse duas dimensões e meia. Dessa forma, ela funciona como se fosse o produto derivado de uma fusão das duas obras abaixo (em 3D e em 2D), criando alguma coisa que não é figura e não é forma, não é projeto e não é sólido, não é ideia e não é materialização. É algo que se situa a meio caminho de todas essas coisas, num ponto equidistante de tudo, que só pode ser observado e compreendido em confrontação com as representações anteriores dos quatro objetos. Ah, sim, o mais legal de tudo isso é que a obra foi toda feita com óleo sobre tela, de forma que qualquer percepção sobre a dimensão das figuras e das formas é apenas sugerida pela artista (naturalmente, construída com sensibilidade e apuro técnico), já que a representação na tela possui apenas duas dimensões.
Então foi isso. Foram essas coisas todas que me intrigaram tanto nessa obra e foi essa a genialidade que eu percebi, (da minha maneira, naturalmente) e estou compartilhando com vocês. Não sou crítico de arte, estou longe disso, mas as impressões que certas obras nos causam e os nexos que criamos e damos a essas impressões são fascinantes. E creio ser esse o papel da arte.
Abraços a todos,