terça-feira, 2 de dezembro de 2008

eu sou belo horizonte (ou a outra cidade)


I

eu sou belo horizonte

altos e baixos
sempre retilíneo
até o contorno
onde dou voltas
e voltas
insondáveis
sobre mim mesmo

apequenado
porque produto
das mentes menores

planejado
bem cuidado
mas inóspito
árido
vazio
onde as noites são sempre tristes
nas ruas mal iluminadas

à margem e ao lado
de um rio que brilha
e de uma são paulo que pulsa

quase sem identidade
quase despercebido

mas o horizonte ainda tem em si
alguma beleza
que não se mostra
aos turistas desavisados

e com algum esforço
para além dos guias
para além da apatia
para além das informações
nas bancas de jornal
lá estão

um fígado acebolado
um sorvete
uma cocada
um capuccino
com ou sem canela

mas sobretudo,
ainda que longe
existe também um aeroporto
lá nos confins
e também uma rodoviária
que sempre nos leva de volta
para onde queiramos

e a cidade
do horizonte belo
nas mangabeiras
das graças pinçadas
num final de semana
tão nublado

a cidade-pérola

encasqueta-se
porque a partida sempre dói

e essa dor
essa dor no nada
que é uma ausência
que é uma rua do amendoim
pros que não dirigem

faz com que a pérola se feche
do lado de dentro
da ostra
com saudade da maresia


II

por isso
esses vôos todos cancelados
essas estradas todas bloqueadas

porque agora
de belo horizonte
não é possível sair
em belo horizonte
não é possível chegar

a cidade está sitiada
porque se vão explodir
todas as pérolas
todas as ostras
todos os fígados acebolados
todos os sorvetes
todas as cocadas
todos os capuccinos
com ou sem canela

mas belo horizonte explodindo
belo horizonte em chamas
não tem apelo
não tem graça
não tem glamour

e pode ser que ninguém veja
e pode ser que ninguém ligue
porque bem
belo horizonte não é rio
belo horizonte não é são paulo

belo horizonte é essa savassi
abandonada
onde só resta o contorno
e o consolo
de sempre poder dar voltas
sobre si mesmo
sem chegar a lugar algum

enquanto do lado de dentro
do contorno
arde a pira

e lá de cima
nas mangabeiras
o horizonte que se vê
já não tem nada de belo